Por Ana Lucia Gondim Bastos
Abobrinha, era assim que sua mãe o chamava. Talvez mais em tom irônico do que carinhoso, mas Icaro precisava manter cada lembrança dela, presa em objetos ou palavras. Por isso, quando é levado a um abrigo para crianças, além do apelido, leva consigo uma lata de cerveja da mãe alcóolatra e uma pipa – feita com o desenho de como imaginava que seria seu pai, que voou para longe. Esse é o protagonista da produção franco-suiça dos estúdios Laika, que concorre ao Oscar, “Minha Vida de Abobrinha”(2016), com direção de Claude Barras e roteiro de Céline Sciamma.
Sim, Abobrinha é um órfão, com poucas lembranças agradáveis da vida antes do sumiço dos pais, e cuja principal brincadeira é empinar a pipa com o desenho do super pai voador, talvez pelo prazer de poder vê-lo voar sem nunca fugir de seu campo de visão. Abobrinha também gosta muito de desenhar. Quando morava com a mãe, desenhava, nas paredes do quarto, as cenas que queria manter coloridas na memória. Mas, depois da morte da mãe, passa a ter o recurso do papel e seus desenhos começam a acompanhar cartas que, inicialmente, têm como destinatário o policial que o entrevistou e o levou ao abrigo. E assim segue a história de Abobrinha, ampliando campos e possibilidades de relações interpessoais, assim como de possibilidades de suporte para seus registros emocionais e de cores para seus desenhos. Sem romantizar em demasia, a situação das crianças abrigadas, sem usar muitos efeitos técnicos das novas produções em animação, e com bonecos de olhos grandes e profundos (olhos que, se percebe, já viram muito – como diz Abobrinha quando desconfia o que teria visto uma novata do abrigo, antes de ali chegar), “Minha vida de Abobrinha” traz verdade e poesia, como indissociáveis para uma vida humana mais saudável. Traz à tona, também, o indeterminismo das histórias de vida e a potência dos bons encontros e das trocas afetivas. Abobrinha, permanece, durante todo o seu percurso, dando muito valor ao seu apelido, à latinha de cerveja da mãe e à pipa que representa o pai, mais valores que vão sendo ressignificados, enquanto os objetos, do mesmo modo, vão sendo transformados. Assim, nos mostra o que tão belamente, Mia Couto (especialista no necessário entrelaçamento de verdade e poesia), expressa quando diz que : “A esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é um assassínio espetacular, não sai nos jornais. É um processo lento e silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os olhos dos meninos e nos ensina a perder a crença no futuro”.*
“Minha Vida de Abobrinha” fala, justamente, da capacidade da esperança renascer quando os olhos dos meninos voltam a brilhar, os corações voltam a se alegrar e o futuro volta ser sonhado.
Me emocionou o texto e despertou em mim ,o desejo de conhecer o Abobrinha. Parabéns pelo texto sensível .
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Belo e sensível texto.
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Oi Ana!!!! Estava dando uma olhada na sua página e me interessei por este filme, onde encontro
para assistir?
Grande abraço,
Mayra
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Oi, Mayra! No Youtube você consegue assistir o filme inteiro. Vale muito à pena!Obrigada pela leitura e pela interlocução! Beijo
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