Por Ana Lucia Gondim Bastos
A já premiada atriz e, recentemente, também, diretora, de origem judaica, Natalie Portman, nasceu em Jerusalem (em 1981) e, bem criança, mudou-se, com os pais, para os Estados Unidos, onde construiu sua carreira como atriz e se formou em psicologia, em 2003. Em 2011 teve seu primeiro filho, Aleph, e em 2017 teve a segunda filha, Amalia. Ambos com o coreógrafo francês, Benjamin Millepied. Uma breve biografia que atribui sentido à escolha da adaptação do livro auto biográfico de Amos Oz, um dos mais influentes escritores israelitas e militante pacifista, como primeira empreitada da atriz, como diretora de longa metragem. Em “De Amor e de Trevas” (2016), Natalie, que além de assinar a direção protagoniza o filme, vive o papel da amorosa mãe de Amos (Fania). Dirige e atua em hebraico, volta à Jerusalem, descrita, por Amos, como uma viúva negra que mata seus amantes, ainda quando dentro dela. Volta ao lugar tantas vezes destruído e reconstruído. Fania, de origem polonesa, migrou, com a família, para Jerusalem, fugindo do antissemitismo, quando jovem. Era tempo de guerra e destruição, e a banalidade do mal fez com que as promessas da infância de Fania, de ver florescer o deserto, fossem perdendo a força da esperança. Amos, já idoso, reencontra o menino Amos de 12 anos para recordar os últimos anos da vida de sua mãe: suas esperanças, fantasias, as histórias que contava para apaziguar as dores do filho ou para o fazer dormir, canções, angustias e memórias. O pai (papel de Gilad Kahana), um apaixonado pelas palavras, certa vez conta para o filho que a palavra que, em hebraico, e usada para impulsionar a seguir adiante (Kadima), tem a mesma raiz que Tempos Antigos (Kadem). Acho que é exatamente aí que Natalie e Amos se encontram, nessa obra, e a poesia se faz : ambos buscando sentidos em tempos passados para seguir adiante. Numa entrevista dada à portuguesa Metropolis*, a diretora diz:
“Era absolutamente o tema essencial, a ideia da mitologia através de histórias, que são a nossa forma de construir a nossa identidade enquanto seres humanos. Que memórias escolhemos contar quando contamos a nossa história de vida? Que coisas consideramos importantes e como as ligamos para criar uma história com significado? (…) Quais são os momentos formativos com significado na tua história? Isso acontece com as pessoas e com as nações”. “As histórias tornam-se mitológicas porque são moldadas por quem está a contá-las. Por isso, enquanto são absolutamente cruciais a dar identidade, também temos de ser cautelosos quanto às histórias que escolhemos contar porque depois elas vão moldar os nossos sonhos, as nossas expectativas e a forma como vemos o mundo”
A narrativas silenciadas pela guerra, a falta de memória e apagamento da história, nos fazem incapazes de nos projetarmos num futuro de mais compaixão e generosidade, no qual possamos encontrar o paraíso no outro (para usar uma imagem de Amos). Ficamos condenados a um presente repetitivo e sem saída, condição que nos impede de acolher e ajudar as novas gerações a dar sentido para a novidade do mundo, olhando para ela com esperança e amor. De Amor e de Trevas faz esse caminho de uma dimensão mais intima e particular para a mais abrangente e coletiva que possamos imaginar. Lembra Winnicott quando ,em sua obra Familia e Desenvolvimento Individual, o autor enfatiza que o ser humano vai precisar de círculos cada vez mais amplos que acolham seus gestos de criatividade e por maiores e abrangentes que sejam tais círculos, estarão sempre referidos aos braços e cuidados maternos.
Novamente, nas palavras da diretora: