Crônica – E Já era Hora de se despedir …

E Já era Hora de se despedir …

(mais uma do baú da Dona Saudade)

Por Ana Lucia Gondim Bastos

As histórias que contamos juntos sempre traziam uma atmosfera de muito calor. Algumas vezes o divã se tornou um barco em mar aberto (o sal e o sol acompanharam nossas buscas pelo tesouro, guiados por mapas que advertiam quanto aos muitos perigos do caminho). Outras vezes, o tapete tornou-se um imenso deserto a ser atravessado… Foram quase dois anos de muitas aventuras compartilhadas e L., agora, parecia pronto para enfrentar os monstros do caminho, assim como (ou por isso mesmo) para se dar conta de suas limitações e fragilidades. Crescera e já era capaz, então, de perceber que poderia ainda ser muito feliz, a despeito de não confiar mais nos poderes de sua capa mágica. Teria mesmo que andar com os pés no chão! Mas, isso não seria empecilho para sonhar e fazer grandes planos. Ao contrário, seria com os pés no chão que poderia começar a construir seu futuro!

Então chegou a hora de se despedir de mim e de nosso espaço compartilhado, no qual pôde, por vezes, reconhecer que sua capa mágica não o faria voar, sem medo de perder o chão. Despedir-se parece sempre uma tarefa difícil, principalmente quando pensamos num garotinho de oito anos de idade. Mas, a verdade é que nem foi! Bem, dizer que não foi difícil, não quer dizer que não tenha implicado naquela dorzinha de aperto no peito, sabe?

L., com a sabedoria de um menino de oito anos (que, agora, não precisava se sentir mais velho, para se sentir mais forte e seguro), já lidava bem com encontros e despedidas. Sabia acolher bem a dor e a delícia de cada um e, mais, sabia reconhecer o momento de cada um. Assim, quando comecei a introduzir o tema da separação, buscando resgatar a memória do que havíamos vivido juntos, L. Admitiu que sentiria saudades e disse que talvez voltasse aos dezoito anos, quando sua vida fosse passar por novas mudanças… Mas, agora, como aprendera com a avó: “a vida segue e tem que continuar”!

Depois dessa conversa, abriu a caixa de brinquedos (afinal, ainda estava longe dos dezoito anos). Pegou todos os bichos e soterrou em letras de madeira. Contou-me que eles teriam passado dois anos embaixo da areia do deserto, mas que teriam sobrevivido. Pegamos água e lavamos um a um, no intuito de refresca-los. Os bichos brincaram muito na água e, depois, voltaram para caixa da qual deveria fazer parte, advertiu ele, o livro do “Menino Maluquinho”. Sem compreender a profundidade do que falava, perguntei se queria colocar o livro na caixa, ao que ele me respondeu: – Não precisa! Só estou dizendo que mesmo fora da caixa, ele é da caixa!

Ainda bem que ele não perdera a paciência de me explicar as coisas que eu deixava escapar por me prender nas objetividades.

Bem, nosso tempo acabara e nos despedimos sabendo que na outra semana, então, encerraríamos aquele processo.

Na semana seguinte, L. Não pegou a caixa. Inicialmente escolheu pintar e um desenho muito colorido de um surfista pegando uma onda bem grande, ficou comigo. Um dia, talvez, volte para buscar, mas, a imagem de que já pode surfar grandes ondas, foi com ele. O sol, ainda muito forte, não mais castiga, ao contrário, é amigo do surfista.

Depois, pediu para que eu lesse histórias: A primeira escolhida por ele, “A Misteriosa Caixa do contador de Histórias”, de Sergio Serrano. Um livro que fala sobre mudanças necessárias e ressignificações que vamos tendo que fazer vida afora. A segunda história, sugerida por mim, foi “Dona Saudade”.

E ele partiu confiante…

E eu fiquei confiante…

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