por Ana Lucia Gondim Bastos
Em tramas que se passam em labirintos impostos por determinações sociais, os personagens de Andrew M. Niccol trazem à tona a dura tarefa de se dar sentido à vida e à trama que ela propõe. Em filmes que estão, quase sempre, no registro da distopia, o ora roteirista, ora produtor, ora diretor e ora tudo junto, desenha cenários que nos faz, muitas vezes, desacreditar que é possível mudar de tela no vídeo game no qual, por vezes, nos percebemos, numa repetição infinita e controlada por outrem. O preço do amanhã é, portanto, a possibilidade de questionar a inevitabilidade imposta e buscar protagonizar uma história, tal como o personagem de Woody Allen que escapa da tela para viver um grande amor. Sem o mesmo romantismo, contudo bem mais otimista quanto à possibilidade do sucesso e sustentabilidade do escape de um sistema achatador.
Em Gattaca e em O Preço do Amanhã, o diretor e roteirista aposta na ficção científica para discutir temas como eugenia e desigualdade social, seus porquês e por quem. Apresenta cenários que evidenciam como todos perdem nesses (nossos) sistemas que sustentam e são sustentados por essas estratégias, mesmo os que por elas são privilegiados. Todos presos numa repetição que impede a construção de sentidos consistentes para as narrativas de vida. Já no Show de Trumann e no Terminal, Jim Carrey e Tom Hanks dão vida a personagens encerrados em labirintos cujas determinações desconhecem ou que estão fora de sua possibilidade de ingerência, numa espécie de processo Kafkiano que não os permite atravessar fronteiras- seja da cidade cenográfica, seja do terminal de passageiros. Mas, como disse anteriormente, Niccol sempre deixa claro que acredita nas brechas de transformação, nas possibilidades de movimento e na capacidade humana de buscar novos caminhos. Enfim, é possível perceber o traço de Niccol em todos os filmes, por diferentes que sejam (seja em gênero ou em capacidade de tornar a trama mais ou menos envolvente ou apresentar finais mais ou menos surpreendentes). Traço esse que encontro tradução na “Pedagogia da Autonomia” de Paulo Freire e que nos devolve ao lugar de protagonistas, por difícil que seja o contexto no qual construímos nossa história:
“Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isso não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-me reiterar, é problemático e não inexorável”(p.19)