Filme – Se Perder para se Achar : notas sobre dois filmes de Sofia Coppola

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Estar perdido na tradução, em espaços onde nada parece fazer muito sentido, ou pelo menos, onde os sentidos que foram atribuídos a cada coisa, até então, parecem perder a potência simbólica. Um momento de busca por códigos e signos cuja familiariadade favoreça o estabelecimento dos novos contornos necessários para que as  ideias e sentimentos suscitados por um novo lugar, um novo momento de vida ou uma nova experiência (ou tudo isso junto), tenham possibilidade de compreensão e compartilhamento.  São momentos (e lugares) de difícil acomodação e de considerável desconforto emocional,  nos quais a falta de contorno também é sentida no aspecto identitário. Num ambiente (situação/lugar ou experiência de vida) novo, no qual nos sentimos (ou efetivamente somos) estrangeiros, somos levados a uma redefinição de valores, de entendimentos e de formas de se tratar ideias, sentimentos e ações. Ou seja, somos levados a uma redefinição de nós mesmos e uma ressignificação da vida, com tudo o que ela comporta! Não é difícil imaginar que esse processo exija um exercício de instrospecção, bastante peculiar, para um reordenamento de nossos repertórios, de tudo o que já sabemos (sobre nós mesmos e sobre o mundo) e tudo o que já vivemos até aquele momento. Esses processos de ressignificação da vida e de nós mesmos – às vezes longos, às vezes dolorosos e sempre, em alguma medida, desconfortáveis – podem ser dificultados, quando a introspecção não é permitida e seu tempo de maturação não pode ser respeitado.  Hannah Arendt, certa vez atentou para a importância da preservação à super exposição, de tudo o que começa a se desenvolver. Para que o novo irrompa , necessita, antes, da segurança da escuridão para, então, orientar-se para a luz (como fazem as plantas, depois que brotam). A autora, referia-se, mesmo, à dificuldade de conciliar, por um lado, a necessidade desse espaço seguro e protegido e, por outro lado, os holofotes da fama. Esse entrelaçamento de temas – dos processos de auto (re)definições e dos assédios do estrelato – volta aos roteiros de Sofia Copola, em “Somewhere”(2010), depois de seu “Encontros e Desencontros” (Lost in Translation, 2003).

São novas metáforas, novos personagens, novos encontros e desencontros, mas os dois roteiros várias vezes se tocam. Impossível não lembrar dos ajustes toscos do terno que o ator usaria durante a filmagem do comercial em Lost in Translation, quando o (também) ator famoso de Somewhere, desce da plataforma que faz com que as câmaras não mostrem que é mais baixo que a atriz com quem contracenou, no último Blockbuster de Hollywood. Também, a sensação de estranhamento do estrangeiro americano diante da excitação dos apresentadores de shows de auditório de países e línguas distantes, são comuns aos dois filmes (no primeiro japonês e no segundo, italiano). E, também, a dificuldade dessas celebridades falarem sobre si e a dificuldade de seus interlocutores de as ouvirem, por estarem diante de personagens sobre os quais se supõe tudo saber… Isso tudo, sem contar que , nos dois filmes, a trama se desenvolve em torno do encontro transformador com um interlocutor (nos dois roteiros representados por papéis femininos) que são capazes de refletí-los como pessoas perdidas que são/estão, sem projetarem-se maciçamente nos astros de Hollywoody que representam para todo o resto. Aliás, interpretações dignas de nota, no primeiro filme a vizinha de quarto de hotel (também perdida na tradução), interpretada por Scarlett Johansson e no segundo a filha adolescente, interpretada por Elle Fanning (A Bela Adormecida de Malevola).

Não é de se espantar que o primeiro filme tenha sido muito mais badalado e premiado, inclusive pela originalidade no tratamento do tema e consistência da trama, mas, o segundo nos devolve questionamentos importantes que, pelo jeito, Sofia Coppola ainda não sentira esgotado em seu Lost in Translation.  E quem de nós, como nos ensinou Freud, está livre de recordar, repetir para, então, elaborar?

referencias bibliográficas (a quem interessar): Arendt, Hannah – A Crise na Educação In Entre o Passado e o Futuro ;

Freud, S. – Recordar, Repetir e Elaborar (1914) In Obras Completas

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