Por Ana Lucia Gondim Bastos
A história de cada um de nós é, inevitavelmente, uma história de perdas e separações. Mas, também, é história de construções criativas, tanto para darmos conta dessa inevitabilidade, quanto para recebermos as novidades decorrentes de tais perdas. Em cada etapa da vida nos despedimos de um montão de coisas/pessoas/ situações queridas (algumas que nem imaginávamos ser possível viver sem) e abrimos espaço para um tanto de outras coisas/pessoas/situações novas (algumas que nem imaginávamos existir). Contudo, às vezes, nos deparamos com a necessidade de lidar com perdas bem indigestas. Principalmente aquelas ocasionadas por tristes surpresas do acaso, que chegam a nos deixar sem chão, sem esperança ou motivação.
“O Avião Vermelho”, animação de Frederico Pinto e José Maia (2012), inspirado no livro de mesmo título de Erico Verissimo(1936), trata, com muita delicadeza, acerca de uma perda dessa ordem, ocorrida na vida de um menino de 8 anos. Desde a morte de sua mãe, Fernando parecia não encontrar solução ou remédio para se livrar do sofrimento que o inundava, seja pela ausência dela em seu cotidiano, seja pela memória do tempo em que estiveram juntos. Sofrimento expresso através do isolamento e da relação destrutiva com suas coisas e com seus animais de estimação. Fernando transbordava dor, numa tormenta de destrutividade. Tal sofrimento era ainda maior em função do distanciamento do pai que, também, diante da grande tristeza, se fechara para o mundo, se dedicando às viagens de trabalho e permanecendo sem muita disponibilidade para o filho. Nesses momentos de encapsulamento, não raro, é necessária a interferência de alguém de fora, alguém capaz de entender o que está acontecendo, justamente, por não estar afogado na dor. Na história de Fernando, esse papel acabou sendo da empregada da casa, que com muita sensibilidade e paciência, se aproximou do patrão para o advertir acerca da importância de um movimento de aproximação em relação ao filho. As primeiras investidas do pai, no entanto, acontecem via presentes. Brinquedos cujos sentidos eram parcos e, portanto, eram logo são deixados de lado. Mas, nesse processo de buscar vias de acesso ao filho, o pai acaba por acessar sua própria bagagem existencial e, aí sim, caminhos criativos começam a se traçar acompanhando veios da memória de infância. Quando encontra o livro “As aventuras do Capitão Tormenta”, livro que estimulou sua imaginação, na época em que era criança como Fernando, finalmente, consegue abrir uma porta para ajudar o filho a encontrar recursos próprios para se salvar da tormenta, na qual , a dor da separação, o aprisionava, até então. Abre uma porta, também, para se reconhecer nesse novo momento de vida: viúvo, pai de uma criança que sofre sem a presença da mãe. E, principalmente, abre uma porta para o encontro com o filho, encontro que fará com que ambos se sintam, novamente, capazes de tocarem suas histórias, com esperança e alegria.