Por Ana Lucia Gondim Bastos
À primeira vista, uma herança pode parecer algo simples de se lidar, visto que, via de regra, vem sem que façamos muito esforço. É um bem de família, uma construção antiga que chega pronta a quem é de direito. Mas, nem sempre, ousaria dizer quase nunca, é assim tão simples. Em primeiro lugar existem vários tipos de herança. Entre a herança genética – que recebemos logo de cara – e a herança inventariada – que vem após a morte de parentes muito próximos – recebemos multiplas heranças. Heranças de sentidos, de valores, de talentos, de missões, de assombrações e, também, de inspirações. Uma bagagem e tanto que devemos cuidar e que, quase nunca é fácil abandonar pelos caminhos que vamos desenhando, vida afora. Contudo, nem sempre é tão pesada assim, a ponto de querermos nos livrar. Ao contrário, às vezes, facilita certos traçados de caminho, às vezes os tornam mais interessantes ou encantadores. O certo é que, de qualquer maneira, dar conta desse complexo de traçados que as heranças (im) possibilitam, traçados esses que vão sendo tramados aos novos sentidos, valores, talentos, missões, assombrações e inspirações do patrimônio que vamos construindo no decorrer de nossa história particular, exige um esforço danado!
Há pouco assisti a dois filmes que se tocam, tanto por trazerem, de forma especialmente delicada e poética, o tema das heranças e tradições, quanto por terem como fio condutor a relação de mulheres com sabores e com a alquimia da cozinha. Mais do que isso, ambos os filmes, apesar de um ser americano e se passar na França, falam de histórias cujas raízes se encontram na civilização maia e, por isso, tanto chocolate nos títulos. O mais antigo dos filmes, dos quais me refiro, “Como Água para Chocolate” (1992), é mexicano e foi dirigido por Alfonso Arau, a partir do roteiro adaptado do romance, daquela que foi sua esposa, Laura Esquivel. O segundo, “Chocolate”(2000), um filme americano dirigido pelo sueco Lasse Hallströn, conta com Juliette Binoche e Johnny Depp à frente de um elenco de peso, numa narrativa de um lirismo encantador.
São histórias que falam de desejo e prazer, de encontros humanos que aprisionam e de outros que libertam. Mais que isso, falam do quanto as nossas relações com desejos e prazeres podem definir escolhas e tipos de encontros que podemos estabelecer com pessoas, lugares e com nossa própria história e heranças. Sem dúvida, filmes a serem saboreados!