Filme – A Vida de Outra Mulher

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Um dia, acordamos e nos damos conta, de maneira particular, do muito tempo que se passou e como ele nos transformou. Nosso jeito de vestir ou de falar, nossos assuntos e interlocutores, assim como nossa casa ou nossa relação com a cidade, as pessoas que participam do nosso cotidiano, tudo o que nos fazia sentido ou, mesmo, tudo o que nos fazia sonhar, tudo transformado. Se fizermos um esforço de memória percebemos que essas mudanças foram constantes, na vida de cada um de nós. São mudanças que vão acontecendo de mansinho, num processo lento, como o do nosso crescimento na infância ou do nosso envelhecimento na vida adulta. Mas, de repente, você se vê transformado, como se tudo tivesse acontecido como num passe de mágica! Por exemplo, não é incomum a sensação de parecer que outro dia você se aplicava nas aulas do cursinho e temia não conseguir chegar à faculdade e, de repente, como se fosse de um dia para o outro, se percebe não se imaginando em outra profissão, falando com propriedade e autoridade acerca de assuntos que não passavam de mera especulação acerca de um mundo a ser descoberto. Mas, tudo isso num “como se fosse”, porque caso contrário, a vida passa num piscar de olhos, num estalar de dedos e não numa longa história a contar. É importante que não percamos o fio de Ariadne, aquele que não permite vagarmos em labirintos, sem mesmo nos dar conta do caminho percorrido. O fio de Ariadne, é o fio da esperança, o fio com o qual podemos costurar narrativas e protagonizar histórias.

No filme “A Vida de Outra Mulher”, de Sylvie Testud (2012), Marie (personagem da sempre brilhante Juliette Binoche), “pula” 11 anos de sua história e do aniversário de 25 anos – quando se apaixonara por um aspirante a desenhista (papel do, também excelente, Mathieu Kassivitz) e obtivera uma promissora oportunidade de emprego – acorda no dia em que completaria 41 anos. Descobre o fato depois de percorrer, com estranhamento, os ambientes de um luxuoso apartamento aos pés da Torre Eiffel, dar de cara com um filho de 5 anos e com compromissos de altíssima executiva com o casamento em ruínas e um carro de luxo na garagem. A angústia com a qual Marie vai se deparando ao se dar conta de tudo que construiu ou demoliu em 11 anos, não é de todo alheio a cada um de nós, tenho certeza. Não é sempre que estamos nos percebendo protagonizando nossas histórias, costurando nossas narrativas num trabalho lento e artesanal. Por vezes, nos surpreendemos vivendo no automático, “dançando conforme a música” midiática, afoitos por consumir, correndo para não perder tempo, perdidos do nosso desejo e de nós mesmos. Num belo texto sobre a delicadeza da condição humana, Maria Rita Kehl adverte: “Dizemos, com freqüência, que fomos atropelados pelos acontecimentos – mas quais acontecimentos têm poder de atropelar o sujeito? Aqueles em direção aos quais ele se precipita, com medo de ser deixado para trás. Deixamo-nos atropelar, em nossa sociedade competitiva, porque medimos o valor do tempo pelo dinheiro que ele pode nos render” – e prossegue, dizendo – “A velocidade normal da vida contemporânea não nos permite parar para ver o que atropelamos; torna as coisas passageiras, irrelevantes, supérfluas. (…) Corremos na intenção de não perder nada e perdemos o essencial: o desfrute do próprio caminho. A vida, no entanto, não é exatamente isso – travessia?”*. É disso, me parece, que a personagem de Juliette Binoche se dá conta e, de um dia para o outro, passa a tentar buscar o fio da meada, seu fio de Ariadne, para escapar do labirinto no qual vagou todo esse tempo, o fio que conecta a jovem de 25 à mulher de 41, que aquela se tornou e, assim, retomar as rédeas para seguir seu caminho. Agora, quem sabe, atenta ao percurso.

*http://www.mariaritakehl.psc.br/conteudo.php?id=266

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