Filme – O Quarto de Jack

Por  Ana Lucia Gondim Bastos

Uma trama digna das nossas piores fantasias de terror. Um filme, misto de suspense e drama, com todos os elementos para deixar as emoções, de qualquer um, à flor da pele, ora com respiração suspensa, ora com lágrimas nos olhos: uma criança fofa e esperta completando 5 anos num ambiente inóspito, uma mãe amorosa que tenta, a duras penas, manter o espaço de vida e poesia para o filho e, para completar, um sequestrador sem o menor sentimento de compaixão. Só por isso “O Quarto de Jack” (Lenny Abrahamson, 2016) já seria um filme vale à pena assistir. Mas, ele traz muito mais que isso! Traz uma reflexão importantíssima acerca do tempo que conseguimos suportar viver como na música de Lenine:

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
E o mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós

5 anos foi o tempo que Joy (papel que rendeu o Oscar para Brie Larson) pôde passar desse modo, apresentando, para seu filho, um mundo limitado aos 10m2 do quarto por onde só se tinha contato com a luz, por uma claraboia. Foram 5 anos fingindo que era só isso que ele teria a conhecer e tentando poupa-lo do sofrimento que a acometia, na prisão que era, para ela, o quarto/mundo de Jack. Joy sabia que o mundo era bem mais que aquilo, vivera fora dali e conhecia bem o prazer de respirar ar fresco e de se movimentar tendo como limite o horizonte que não sabia onde acabava. Mas, agora, era refém. A maternidade, se por um lado, deu força e atribuiu sentido para continuar lutando pela vida criativamente, por outro, condenou Joy a seguir lutando pela vida, ainda que aprisionada. Mas, 5 anos foi seu prazo máximo. A partir daquele momento, ela passou a sentir a necessidade premente de contar/ viver a verdade para/com Jack, ainda que soubesse dos muitos riscos que correriam para que isso fosse possível (e, ainda assim, nem sabia se seria, mesmo, possível!). Mas, não dá para viver uma vida inteira sem tentar. Joy percebeu isso, logo após os 5 anos de Jack. Sobre o filme, paro de contar por aqui, até para não comprometer o suspense. Mas, continuo com a reflexão sobre os nossos momentos de urgência por ar fresco, por sair das situações que nos sequestram e nos tornam refém. O filme, considero, mais uma alegoria da caverna de Platão. Daquela onde homens eram acorrentados virados para a parede dos fundos, tendo como único contato com o mundo sombras projetadas e sons que a elas eram atribuídos. Quando um dos homens é solto e pode virar-se, passado surpresa inicial, começa a entender como foram produzidas as sombras, de onde vinham e como se movimentavam. Ao andar mais um pouco e sair da caverna, a dor nos olhos é quase insuportável, mas para se acostumar com a claridade e aproveitar tudo o que ela abre de possibilidade para a visão, há de se ter coragem e resistência para aguentar os muitos incômodos. Só assim, podemos saber (como bem descreve Jack) que o mundo é repleto de portas e janelas e que quando saímos, por uma delas, logo vamos nos deparar com tantas outras, e estaremos sempre escolhendo quais abrir e por onde passar para conhecer mais e mais coisas desse mundo que não se cansa de mudar!

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1 comentário

  1. Sensacional, Ana Lúcia. O filme é isso tudo o que vc disse e seu olhar lança outras teias, ao enfatizar a coragem e o risco para sair daquele quarto e olhar o mundo para além da clarabóia. Uma luta de vida e morte, sem garantias…e, afinal qual vida não é assim? Ao citar Lenine, clareou ainda mais: ela poderia adiar, esperar que o mal acabasse, ou se transformasse – soluções mágicas, só que decidiu tomar a vida nas próprias mãos. O desdobramento fora da prisão é ainda mais real e humano. Temos pelo menos dois filmes, rs ….Obrigada por dividir seu olhar generoso conosco.

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