Por Ana Lucia Gondim Bastos
“Com insônia, nada é real, tudo parece ser sempre cópia da cópia da cópia…”, é assim que o personagem de Edward Norton, o narrador, em Clube da Luta (David Fincher, 1999), descreve sua rotina nos seis meses que passa insone. Como num conto de Murakami*, é esse estado de torpor no dia a dia que possibilita, por outro lado, o questionamento acerca de seu consumismo desenfreado para obter móveis e utensílios domésticos que o definam como pessoa. Afinal, que mundo é esse, no qual somos levados a passar horas pensando na sala de jantar que nos define como pessoa ou na geladeira que seria a nossa cara? Pensa o Zé Ninguém** de Fischer: “Quando a explosão estrelar crescer, serão as corporações que darão nome a tudo: A esfera estrelar IBM, a galáxia Microsoft e o planeta Starbucks”. Mas, longe de ser ser uma ampliação de consciência que o pudesse levar a processos criativos de crítica e resistência, esses questionamentos só vão o fazendo mais infeliz, vivendo a cópia, da copia, da cópia do dia anterior, trabalhando numa agencia de seguros mais preocupada com números do que com pessoas, fazendo viagens de negócios repletas de relações “porções únicas”, com coisas e/ou pessoas. O sofrimento é crescente quando procura um médico que afirma que sofrimento verdadeiro ele só encontraria no câncer. Ele, então, vai buscar , em grupos de ajuda para pessoas com doenças graves, respostas. Que respostas? Talvez nem ele soubesse, mas algum movimento precisava ser feito. E lá, onde a esperança de permanecer nesse mundo está ameaçada, as pessoas parecem se ouvir de verdade. Ele se encanta e, de mentira (já que não é portador de nenhuma daquelas doenças), vive a verdade. Isso até encontrar um par, Marla Singer (Helena Bonham Carter), uma turista nos grupos de apoio. Uma mentirosa, como ele, que espelha a fragilidade de sua estratégia e o devolve à insônia. É aí que entra o terceiro dessa história: Tyler Dunder (Brad Pitt). Ele que seria mais um companheiro de viagem, na vida daquele que chegara a se conformar em chorar nas reuniões dos mais diversos grupos de apoio, vira par constante na crítica e ataque à sociedade que massifica e achata a vida humana. Depois de Marla, é Tyler que invade seus grupos, seu lar e seus pensamentos, no sentido do fundo do poço, onde se pode largar o controle e onde não há nada a se perder. Num roteiro de diálogos ágeis (assinado por Jim Uhis, baseado no livro de Chuck Palahniuk) e sequências surpreendentes, Clube da Luta faz pensar no potencial enlouquecedor desse nosso mundo/labirinto, difícil de se escapar com vida fora da cópia, da cópia, da cópia, no planeta Starbucks/IBM ou Microsoft. Qualquer coisa que eu venha contar a mais, estragaria o suspense e descobertas acerca do fio de saída ou destruição do labirinto. Labirinto que está dentro e fora de cada um de nós e com o qual temos que lidar dia a dia.
* https://tecendoatrama.com/2016/09/23/livro-sono-haruki-murakami/
** Referência ao livro escrito em 1946 por W. Reich – Escuta, Zé Ninguém