Por Ana Lucia Gondim Bastos
Soube da existência de ‘Embrace’ (Austrália, 2016), da mesma forma pela qual o documentário, teve origem: através de um comentário, nas redes sociais. Uma amiga postou no Facebook que depois de assistí-lo, se deu conta do quanto o fato de estar magra, meses após o parto da primeira filha, causara mais interesse e surpresa, do que qualquer outro aspecto da maternidade (e olha que não são poucos!).
Taryn Brumfitt, depois de várias tentativas (algumas de sucesso) de obter um corpo dentro dos padrões de beleza, pensou em fazer uma plástica e resolver isso, que era entendido como problema, de uma vez por todas. Antes do que seria uma “cartada final”, passou por um período de profunda reflexão acerca do que foi ter tido uma vida de insatisfação e embate com o ideal do corpo “aceitável” e resolveu, não só, “ousar” viver com aquele corpo mesmo, mas, também, publicar, em redes sociais, que estava mais feliz depois dessa última decisão do que com a primeira, que era a de perseguir um ideal, no qual não cabia seu cotidiano, de mãe de três filhos, tampouco cabia seu desejo, ou mesmo, suas informações genéticas. Não, não estaria mais saudável magra, estaria só mais bonita, segundo padrões de beleza com os quais somos constantemente bombardeados. As fotos do antes e depois (às avessas), de Taryn, viralizaram na internet. Ela passou a receber centenas de mensagens de apoio, de desagravo e, principalmente, de desabafo. Mulheres do mundo todo, de todas as idades, contavam de como sofriam com a não aceitação de seus corpos, de como tinham suas vidas, prazeres e movimentos limitados pelos inúmeros defeitos que percebiam em suas aparências. Foi aí que ela começou o Body Image Movement (https://www.facebook.com/bodyimagemovement/) e deu início à trajetória que culminaria com o documentário “Embrace”. No documentário chama a atenção que meninas e mulheres (de todos tipos físicos) não só manifestam insatisfação com algumas de suas características, mas, muitas vezes, adjetivam seus corpos como repugnantes ou aversivos. Sim, vivemos na sociedade da glória (como certa vez ouvi do psicólogo e educador Yves de La Talle, numa de suas aulas), uma sociedade de valores amorais, como beleza e poder financeiro, ditando parâmetros de sucesso pessoal, seja a que custo tenham sido conquistados. Então, para todos nós, sucesso tem aparência e medidas evidentes, a partir de lugares ocupados no mercado de consumo. Inclusive, no mercado dos procedimentos estéticos. Contudo, ainda considerando que estamos todos mergulhados nesse caldo de cultura, não podemos deixar de enfatizar as questões de gênero que achatam as possibilidades femininas de expressão no mundo (e isso “Embrace” faz muito bem). Sem dúvida, a aparência feminina recebe uma patrulha social muito mais intensa, e porque não dizer violenta, que a masculina. E para quem considere exagero que essa seja patrulha imensamente maior, sugiro a reflexão invertendo as posições do clássico “A Bela e a Fera”. Assistiríamos com os mesmos suspiros românticos no caso de um belo rapaz se encantar por uma moça de aparência tal qual a da Fera? O trabalho de Embrace é, justo, nos ajudar a mergulhar nessas questões e a abrirmos os olhos e ouvidos para o que passa desapercebido por ser tão naturalizado, em nosso cotidiano. Naturalizações cuja consequência, na vida de alguém, pode ser desastrosa (essa, sim, “disgusting”).