Por Ana Lucia Gondim
E quando chega a hora de virar gente grande e bate aquela insegurança se daremos conta de ser, pelo menos parte, do que projetamos ser, na vida adulta? Mesmo quando ouvimos que “só” precisamos ser a melhor versão de nós mesmo, dá um receio de chegar à conclusão de que a melhor versão seja aquela mesma, meio insuficiente e desengonçada. Essa é a realidade de muitos adolescentes e, também, a realidade de Lady Bird (Greta Derwin, 2018), a menina pássaro que se prepara para alçar voo, incomodada com a dependência e insegura quanto às suas potencialidades, ao fim de seu ensino médio. Em tempos de grandes decisões e busca por um contorno identitário, o tempo não pára, assim como as questões familiares e as dificuldades econômicas do país, também, não dão um tempo. Lady Bird vai ter que fortalecer asas naquele cenário que, nem de longe, lhe parece o ideal: pai desempregado, irmão mais velho morando com a namorada na casa dela, mãe da área da saúde, trabalhando em mil plantões, um único banheiro para família toda e dificuldades financeiras. Mas, a vida sempre, nem de longe, é o que deveria ser! É o que é, e aí reside toda a graça e emoção do filme. Sem grandes surpresas ou tensões, apesar de toda a intensidade adolescente, o filme conta como Christine McPherson (Saoirse Ronan, em ótima atuação) passa por esse final de ensino médio, se sentindo sem espaço para ser quem quer ser, ou melhor, para descobrir quem quer ser, circunscrita à pequena cidade de Sacramento e ao nome que não fora por ela escolhido. Por isso, se autobatiza Lady Bird e sonha com a possibilidade de fazer faculdade no litoral leste americano, oposto ao do seu nascimento. O estado de constante insatisfação, origem de muitos conflitos familiares, evidencia como nela, tudo isso dói. Tudo parece pouco e “capenga”: seu corpo, seu grupo, seu colégio, sua casa, suas escolhas. Mas, ao mesmo tempo, é com essa bagagem e repertório que conta para viabilizar o sonhado o voo. A mãe, que tem como trabalho a dedicação no cuidado com o outro, reage, por sua vez, com hostilidade à frustração de se perceber sem forças, ou aparato, para ajudar a filha. Apesar de não se aprofundar muito nas histórias de cada personagem, Greta Derwin consegue não deixa-las superficiais demais, oferecendo-nos um filme sensível e tocante, sobre uma fase de vida na qual, muitas vezes, precisamos questionar valores e negar origens, para voltarmos a elas sem o perigo de, com elas, nos confundirmos.