Por Ana Lucia Gondim Bastos
Depois do excelente “Um conto Chinês”(2011)*, o diretor argentino Sébastien Borensztein, novamente surpreende com um filme que consegue ser leve e divertido, apesar da dura temática e personagens cheios de delicadeza e profundos sofrimentos. Também protagonizado por Ricardo Darin, “A Odisseia dos Tontos” (2019), começa com uma cena que conta com um quê de “Relatos Selvagens”** (Szifron, 2014): um grupo de pessoas numa noite de tempestade, assistindo a uma grande explosão, enquanto a voz em off de Darin conceitua o que é ser Tonto, como sendo pessoa lenta ou pouco astuta e, também, trabalhadores honestos, que cumprem as normas e que acabam acostumados aos abusos dos espertos. Um dia, porém, podem ser capazes de coisas inimagináveis, diante das opressões. A partir daí, o dinâmico roteiro, vai apresentando personagens e situações, em meio à crise econômica argentina, de busca de saídas criativas e solidárias para continuar existindo, individual e coletivamente. Mas, a crise se agrava para “os tontos” e promove boas oportunidades de enriquecimento para poderosos ligados ao sistema financeiro, com o bloqueio bancário que ficou para história com o nome de corralito. Assim, os trabalhadores (alguns empregados outros não) que contaram seus tostões para a criação de uma cooperativa, têm seu dinheiro congelado, em dezembro de 2001 com os quase 70 bilhões de dólares em depósitos de outros tantos poupadores, que não tiveram informações privilegiadas para que pudessem proteger seu dinheiro. E é nesse contexto entre a realidade e a ficção, com personagens tão comuns de uma América Latina tão próxima, que vamos entendendo que para fugir de relatos selvagens, só com movimentos ninguém solta a mão de ninguém, mesmo. Também vamos percebendo os riscos aos quais estamos sujeitos a partir das violentas ações de abandono do Estado em relação ao seu povo, e quando as leis se voltam para beneficio de apenas uma pequena parcela da população. Um filme que faz refletir, ora oferencendo lufadas de esperança nas possibilidades que o encontro humano solidário produz, ora abafando o crescimento da esperança, ao apresentar o quanto, nas palavras do protagonista, “os filhos da puta nem se sentem filhos da puta” e, por isso, nunca vão chegar a entender lutas desesperadas pelo resgate de direitos básicos subtraídos , como movimentos por justiça.
*https://tecendoatrama.com/2016/07/31/filme-um-conto-chines/
**https://tecendoatrama.com/2015/05/25/filme-relatos-selvagens/
