Dança – Temporada 2015 do Balé da Cidade de São Paulo ou Mais uma vez a dança oferece o fio da esperança

Por Ana Lucia Gondim Bastos

O Balé da Cidade de São Paulo nasceu, em 1968, como Corpo de Baile Municipal, tendo como proposta acompanhar as óperas do Theatro Municipal e se apresentar com obras do repertório clássico”, seis anos depois, “assumiu o perfil de dança contemporânea , que mantém até hoje”. Para a parte da temporada 2015, destinada ao seu palco de origem, reservou três coreografias de autorias distintas. Como tal, são propostas diferentes , todas muito bem montadas e executadas, mas, sem compromisso de congruência temática, pelo menos, à primeira vista. Entre ——— Fio da Meada, de Glaidson Vigne, /Árvore do esquecimento, de Jorge Garcia e Cenas a 37 (ou Eu queria que fosse 33), de Alex Soares, pausas anunciam a descontinuidade. Cada momento do espetáculo é, indiscutivelmente, belo e emocionante:

No primeiro, um cenário – que traz delicadas linhas de metais, cujas intensidade das aparições são estabelecidas pela iluminação, tal como nas Ttéias de Lygia Pape – os caminhos das decisões individuais se mostram questionados quanto ao seu grau de autonomia. O balé de Vigne fala disso através de fios que coordenam movimentos, que impedem outros tantos ou que se colocam como contorno a ser ultrapassado (ou não); também, através de grupos de pessoas que aparecem, de outra forma, coordenando movimentos, definindo poses a serem registradas , servindo como força de atração ou de descolamento do coletivo; o mesmo, aparece no figurino, cuja roupa de paetê se contrapõe à possibilidade de arrancá-la na exposição da pele. Além disso tudo, dois personagens mascarados, de perna de pau, com sua força e tamanho desproporcional, ao dos outros personagens, imprimem gesto de controle e restrição dos movimentos alheios.

A coreografia de Jorge Garcia, inspirada no livro e documentário Pedra da Memória de Renata Amaral, traz a temática da memória e do esquecimento, das raízes e do arrancar-lhes do chão, da submissão e da resistência. Fala de um ritual imposto aos escravos, saídos de Benin, de darem voltas no entorno da árvore do esquecimento para deixarem para trás suas referências culturais, geográficas ou identitárias. Ao mesmo tempo, fala de festas populares de origem Benin, estabelecidas nos portos de chegada (Maranhão e Pernambuco). Danças populares, máscaras zoomorfas e muito jogo de iluminação trazem em /Árvore do esquecimento um misto de referencias que não se pode perder, no decorrer de uma história, “pois a memória é arma poderosa de resistência”. Referências que podem ser entendidas como fios, talvez, aquelas com as quais fazemos decisões, mais ou menos conscientes, mais ou menos autônomas, dependendo, em grande parte de como nos relacionamos com os fios que nos são oferecidos na trajetória.

Finalmente, em Cena a 37, o cenário é de uma morte na família, muitos bailarinos em cena, um deles blindado do contato dos outros por uma bolha transparente. Alguns vestem preto, outros escarlate. Os bailarinos de preto muitas vezes parecem anjos ou sentimentos, talvez fios que controlam, coordenam, comandam ou definem movimentos, para dentro ou para fora deles. No cenário alguns poucos móveis, aqueles, em torno dos quais, as relações familiares se estabelecem, de forma mais ou menos angustiada, mais ou menos evidente, mais ou menos invasiva. Termina com(o) uma lufada de ar fresco.

Ao sair do Teatro, acompanharam-me os fios, os meus e os de cada um dos coreógrafos. Fios da meada, fios da memória, fios das relações e fios da esperança . Fios com os quais podemos nos enrolar, tropeçar, costurar, bordar desenhos (inventados ou copiados) ou, quem sabe até usá-los, à maneira de Teseu, para encontrar a saída dos labirintos que, frequentemente, entramos para o cara a cara com nossos monstros.

Impossível não terminar, novamente, citando Pina Bausch: “Dance, porque senão estamos perdidos”, no emaranhado de fios da vida.

Nota 1: Para quem não lembra ou, porque não, nunca ouviu falar, segundo a mitologia grega, Ariadne, filha de Minos de Creta, oferece ao seu amado, Teseu, uma espada e um novelo de lã e, assim, acaba por salvá-lo do labirinto onde seria devorado pelo monstro Minotauro. O Oraculo de Delfos já havia dito a Teseu que deveria ser ajudado pelo amor para vencer o minotauro.

Nota 2: As Ttéias de Lygia Pape, diz respeito à obra da artista plástica que mereceu um pavilhão, só para ela, no Centro de Arte Contemporânea Inhotim (MG).

Nota 3: as informações acerca da história do balé foram retiradas no programa do espetáculo.

Fio-da-Meada-2015-de-Gleidson-Vigne-Foto-Sylvia-Masini

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