Crônica – Orquestra Filarmônica de Minas Gerais no Festival de Inverno de Mariana

Por Ana Lucia Gondim Bastos

A cidade de Mariana, em Minas Gerais, guarda todo um charme de outrora. A arquitetura colonial é cercada por uma encantadora paisagem de montanhas, as praças com coretos ou com ricas igrejas no entorno, ladeiras com calçamento de pedra, ateliers de artistas espalhados aqui e ali, barraquinhas de artesãos e restaurantes com chaminés que anunciam a presença de comidas típicas feitas no fogão a lenha, faz de lá lugar muito bonito e acolhedor. Contudo, também é lugar que guarda a memória da escravidão, do açoite e da humilhação. A memória de uma parte da nossa história da qual, ainda hoje, escutamos os ecos nas ideias e ideais de quem considera uma etnia mais digna de humanidade que outra, considera uma cultura mais capacitadora de formação de humanos que outra e tantos outros parâmetros de hierarquização da raça humana, tão comuns de se perceber no nosso cotidiano, pelo menos aos que tem ouvidos atentos e espírito critico insone.

Foi lá, numa das praças mais importantes, uma praça que ostenta, em posição central, uma coluna de pedra, pelourinho que um dia serviu de marco do poder uns e de subjulgo de outros, que aconteceu, no último final de semana, um encontro daqueles que nos faz certeza que tudo não só pode, como deve, ser muito diferente. Não sei precisar o público, mas a praça estava cheia e tinha gente de todo jeito e toda idade. Pessoas que foram chegando aos poucos e se acomodando nas cadeiras dispostas no centro da praça, nas escadarias das igrejas, na grama ou na rua de pedra interditada para o evento. Claramente, não era um evento direcionado a um público só e todo mundo ali parecia bastante confortável. O palco, montado especialmente para receber a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, gerava curiosidade e interesse, desde o início, com os músicos afinando aquele sem número de instrumentos, produzindo sons diferentes uns dos outros. O programa distribuído trazia muitos nomes estrangeiros e não parecia de fácil compreensão para os que já não eram frequentadores de concertos. Mas, desde o primeiro momento que o regente Marcos Arakaki entrou em cena, foi possível notar uma preocupação e um cuidado muito grande, em não fazer disso, motivo de afastamento de parte do público ali presente. Com a praça lotada quis saber para quem a orquestra tocava: perguntou se existiam músicos presentes na plateia e quem, pela primeira vez, assistia a uma orquestra. Aos poucos foi tornando aquele programa, recheado de nomes estranhos e números, à primeira vista aleatórios, algo repleto de sentido à medida que ia sendo executado com maestria por aqueles músicos todos. Apresentou-nos os instrumentos, contou-nos das famílias que pertenciam, se preocupou em tocar uma sinfonia inteira e falou-nos de cada uma das partes, assim como, dos instrumentos envolvidos, tudo isso com um entusiasmo difícil de não se deixar contaminar. Ao final, o público totalmente tomado pela alegria de se sentir presenteado com tanta beleza e atenção, pediu bis e se dispersou dançando, descontraidamente, um choro de Zequinha de Abreu. Trem bonito de se ver e de se viver: a praça pública, um dia local de discriminação e humilhação, ressignificada e transformada em local de aprendizagem e comunhão. À Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, à cidade de Mariana e ao regente Marcos Arakaki, só posso ser muito agradecida pela oportunidade!

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