Filme – Melancolia

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Parte I – Justine: Com um emaranhado de lã cinza que se enrosca em suas pernas, tornando pesado o caminhar. É assim que Justine, personagem de Kirsten Dunst, descreve sua sensação diante da vida. Sua comida preferida, lhe parece cinza, ao ser colocada na boca, e nas cavalgadas, que a irmã insiste em promover para coloca-la em movimento, nunca consegue ultrapassar a ponte que as levariam ao vilarejo, nos arredores da imensa propriedade do cunhado. Naquela passagem, seu cavalo estanca, por mais que tente dominá-lo.

Parte II – Claire: Enquanto procura, sem medir esforços, tirar a irmã do estado letárgico que se encontra, Claire (personagem de Charlote Gainsboourg), sem causar alarde, sofre profundamente com a perspectiva do planeta Melancholia chocar-se à Terra. O planeta, antes não observável por estar encoberto pelo sol, agora ameaça destruir a Terra. No decorrer do filme, ele vai ficando cada vez mais visível, angustiando Claire que, sem sucesso, tenta acreditar nas previsões do marido que diz que será uma bela visão quando a rota de Melacholia fizer com que cruze os céus, não havendo o perigo de colisão. É o filho de Claire quem inventa um aparelho que ao ser encostado no peito, dá a dimensão da distância de Melancholia.

Entre essas duas partes (ou duas irmãs), Lars Von Trier, divide seu filme Melancholia (2011). Começa apenas com imagens ao som de Wagner: a lã cinza segurando as pernas da noiva, o céu iluminado por melancolia, a mãe que carrega o filho crescido no colo, sentindo os pés afundar em areia movediça ou a luxuosa, grandiosa e vazia propriedade com os 18 buracos de golfe do marido de Claire. Logo passa para a cena de uma limousine que tenta levar os noivos, Justine e Michael (Alexander Skarsgard), à festa de casamento, precisando, para isso, passar por um tortuoso e estreito caminho de terra. Claire busca manter a organização e o controle da festa, dos pais e do humor  e comportamento da noiva, na suntuosa celebração, oferecida à irmã e seu noivo, contando com rígida programação cerimonial . Justine, por sua vez, tenta aproveitar a festa e o carinho do noivo, da irmã, do sobrinho ou do cunhado, mas é ali que a “tia invencível”(como a chama o sobrinho) começa a dar indício que não dá mais para segurar suas ancoragens e seus vínculos com a vida, fortalecidos. Em brilhante atuação, Kirsten Dunst vai “desmontando” sua Justine, ao mesmo tempo em que ela vai se desligando da realidade compartilhada. Banha-se à luz de Melancholia e não teme a colisão. Ao contrário, quanto mais Claire se aproxima do desinvestimento da irmã pela vida, mais se angustia com a ameaça da chegada de Melancholia e com seu poder de destruição.

Freud, em “Luto e Melancolia” (1915), conta-nos acerca de maneiras pelas quais podemos lidar com nossas inúmeras perdas. Sim, nossas narrativas comportam, inevitavelmente, perdas sucessivas e, portanto, a elaboração de luto , na melhor das hipóteses, é um dos fios que costuram nossas histórias e nos abre caminhos para a perspectiva do novo. Mas, nem sempre isso é possível. Muitas vezes, a impossibilidade de sofrer pela perda – para, então, elabora-la e fazê-la parte de nossa história – nos amarra, às pernas, as tais lãs cinza de Justine, aquelas que nos roubam o brilho e a esperança de descobrir novas trilhas, nos levando a repetições sem fim. Com uma trilha sonora primorosa e se fazendo valer de muitas cenas em câmera lenta, mais uma vez, Lars Von Trier nos aproxima de experiências humanas de difícil nomeação ou encontro de contornos para expressão. Em Melancolia, nos oferece uma linda metáfora do que Freud tratou como a “sombra do objeto (perdido) que recai sobre o sujeito”.

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