Por Ana Lucia Gondim Bastos
O filme chinês Ciclo da Vida (Zhang Yang, 2012), tem um elenco de veteranos que conta sobre o chegar ao fim da vida, num asilo para idosos. Fala sobre a angústia de já se perceber sem tempo para cuidar das relações que ficaram para ser resolvidas depois, sobre sonhos não realizados, sobre dores do corpo e da alma, num momento da vida no qual várias limitações vão se impondo de forma crescente, progressiva e, também, cada vez mais evidente. Do mesmo modo, o filme fala do valor e da importância da amizade, da solidariedade e de se manter, criativamente, buscando alternativas para realizar projetos (sejam novos ou antigos). Pois, enquanto há vida e esperança o desejo sempre pode levar-nos a lugares nos quais nos reconhecemos felizes, muitas vezes, surpreendentemente, outras vezes, conforme o planejado. É, sem dúvida, um filme muito emocionante que trata a temática de forma delicada. A chegada do Velho Ge ao asilo, em busca de abrigo junto ao amigo com quem trabalhou boa parte da vida como motorista de ônibus, movimenta o cotidiano daquele lugar marcado pela mesmice de quem está só na espera de que tudo acabe. As histórias de cada personagem vão se destacando aos poucos, e cada um passa a ser reconhecido por suas próprias características, por seus sonhos, suas trajetórias ou habilidades, desmanchando a ideia de um grupo homogêneo e uniforme, só porque são velhos ou só porque vivem naquele asilo. E é a esse aspecto das generalizações que apagam pessoas que pretendo me ater, apesar de considerar que o tema da velhice, da maneira como é tratado por Yang, pode oferecer valioso material de análise.
Num determinado momento, o filme passa a ser um road movie, com idosos em fuga para tocar seus projetos, livre dos grossos portões da instituição que os aprisiona em nome da segurança. E quando o assunto toca instituições fechadas, sempre fica a pergunta: quem está sendo protegido? E de que?
Seriam os cuidados com os idosos a questão, ou as formas de manterem-se sem incomodar ou atrapalhar a família ou a sociedade, de um modo geral?
Em meio a essas questões foi que o divertido pé na estrada desse grupo me fez lembrar o de outro, dessa vez, num filme americano, bem mais antigo e de final nada reconfortante: “Um Estranho no Ninho” (Milos Forman, 1975). Esse último filme, que conta com uma das atuações mais brilhantes de Jack Nicholson, traz as lógicas manicomiais questionadas, quando os pacientes psiquiátricos começam a ter espaço para se perceberem com voz, vez e história. Talvez coincidentemente, também é numa fuga dos internos num velho ônibus de linha que eles vão se percebendo sujeitos de suas histórias, dotados de desejos, sonhos e anseios muito particulares.
Duas histórias diferentes, uma chinesa, com protagonistas anciões internados num asilo e outra americana, com protagonistas tendo em comum o sofrimento mental e a internação num manicômio. Por outro lado, duas histórias bem parecidas, já que nos apresentam, de forma bastante clara e desconcertante, nossa necessidade de banir do convívio social aqueles que, por qualquer motivo, são entendidos e tratados como inconvenientes ao bom funcionamento social e que, então, é melhor que sejam esquecidos. Dentro de propriedades protegidas com muros altos e toda sorte de controle, essas pessoas, no encarceramento, vão perdendo a noção de quem são, de seus interesses, gostos ou necessidades, passando a ter suas existências restritas e condicionadas à definição que as levou a fazer parte daquele grupo que “precisou” ser rechaçado. Até quando teremos que lidar com nossa incapacidade de inclusão social? Um tema que merece, ainda, muita discussão no intuito de vencermos preconceitos que estabelecem e conservam barreiras atitudinais que nos afastam uns dos outros, assim como, de nós mesmos.