I Seminário Queer : cultura e subversões das identidades

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Diz Richard Miskolci, logo na abertura do seminário: “Os estudos queer nos desafiam a estranhar o mundo que nos alocou na excentricidade, anormalidade ou mesmo em uma forma de desvio. Descentrar nosso olhar para o ponto de vista rechaçado e fazer dele um contraponto não é um exercício fácil, pois fomos adestrados a ver sob a perspectiva hegemônica da normalidade sexual e do binário dos gêneros, encapsulados na estreiteza de um feminino e de um modelo respeitável de masculinidade”. Esse foi só o início de uma conversa que durou dois dias inteiros de ricas discussões e consequentes, assim como inevitáveis, transformações de perspectivas. Há muito tempo eu não participava de encontro tão estimulante, desconcertante e facilitador de criação de novas possibilidades de olhar para construções relacionais cotidianas. Ali, foram-nos oferecidas lentes alternativas às normativas que nos fazem , sem esforço, cair na repetição de padrões de conduta e pensamento. Miskolci diz, ainda, que a impossibilidade da tradução do termo queer lhe parece poética, na medida em que faz com que tenhamos que pensar, o tempo todo, no que pronunciamos e no que pode estar expressando. Nada mais coerente com a teoria que vem dar visibilidade àqueles corpos e subjetividades que não se encaixam nos padrões e categorias de inteligibilidade, existentes nos grandes quadros de referência, propostos por uma ordem social hegemônica, simplista  e adestradora. É assim, que esses corpos e subjetividades se apresentam demandantes por um vocabulário mais prismático e por gramáticas alternativas para se expressarem, fora das tiranias que achatam as diferenças e hierarquizam a sociedade. São, justamente, eles que nos forçam ao exercício de reflexão queer. Nos forçam a problematizar as formas pelas quais vamos conhecendo e atribuindo sentido às experiências, às relações e aos afetos. A problematizar as formas que evidenciam os limites do que uma dada cultura suporta conhecer. O que, quase sempre, supõe que parte do que existe precisa ser ignorado, renegado e transformado em invisível, para não causar desconforto ou se transformar em ameaça à ordem vigente. E é, desse modo, que fica estabelecido que uns podem ter status de mais humano que outros, por estarem dentro de uma normalidade naturalizada e, por isso, terem vidas mais importantes de serem preservadas, do que outras, “naturalmente”  mais descartáveis e passiveis de destruição. Chegando até aqui, espero já ter convencido muita gente (como fui rapidamente convencida, pelas brilhantes apresentações que, agora, utilizo para escrever este texto) de que as questões queer, não se limitam aos interesses de grupos particulares. Ao contrário, são questões de todos, e todas, para todos e todas, que se preocupam com a construção de um mundo que comporte redes de solidariedade globais. Mundo no qual, como disse Judith Butler, no mesmo seminário: não caiba um regime de violência legalizada que defende ferozmente parte da população, enquanto permite que outra seja violentamente assassinada. Sem duvida, uma discussão necessária e urgente!

Seminário realizado pela Revista Cult e SESC São Paulo, nos dias 09 e 10 de setembro de 2015, cujo tema foi “A Cidadania e a Superação da Fronteiras Sexuais e de Gênero”.

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