Por Ana Lucia Gondim Bastos
No recém lançado documentário de Miguel Faria Jr (2015), Chico diz sentir que, à medida que envelhece, seu tempo parece ir se alargando. Seu tempo passa a ser, também, o tempo dos seus pais e dos seus avós. Um tempo que precede sua chegada, mas que, com certeza, tem tudo a ver com sua trajetória e mesmo com suas memórias. Essa história, desse tempo alargado, no meu caso, foi toda embalada por canções dele. Para todo sentimento, pude contar com o contorno preciso de uma letra de Chico. Para seguir uma jornada, nessas tortuosas trilhas, vendo o inferno e maravilhas – sigo o conselho sábio do artista brasileiro, cujo maestro soberano foi Antônio Brasileiro – uso Dorival Caymmi, vou de Jackson do Pandeiro!
Assim, Chico é responsável por muita poesia entornada no chão desde quando, muito jovem, passou a se dedicar à música. O documentário segue um fluxo narrativo fluido e lírico, que acompanha as memórias (inevitavelmente, misturadas à imaginação) dessa pessoa que parece viver no tempo da delicadeza e se ressente pelas letras escritas em momentos de transbordamento de raiva. O que interessa não é cronologia ou a verdade dos fatos, no documentário “Chico, Artista Brasileiro”, tudo é poesia e beleza, mesmo (ou por isso mesmo) sem nunca perder de vista a dimensão dura e áspera da vida e de nossa história. As falas de Chico, e dos outros poucos entrevistados, são sensivelmente entrecortadas por uma seleção, nada óbvia (se é que é possível fazer uma seleção óbvia de seu vasto repertório), de músicas interpretadas por uma surpreendente variedade de intérpretes, que vai da fadista Carminho ao sambista (ex Exaltasamba) Péricles, passando por nomes como Adriana Calcanhoto, Monica Salmaso, Martnália, Laila Garin, Milton Nascimento, Maria Betânia e Ney Matogrosso. Um encanto que mescla literatura, música e poesia. Impossível não aplaudir de pé! Bravo!
Dueto
Chico Buarque
Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz
Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar
Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz
Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca