Por Ana Lucia Gondim Bastos
“Quando a saudade apertar, não se acanhe comigo, pode me procurar”, com esses versos de Tom Jobim, o curta metragem “O Maior Espetáculo da Cidade”, termina. E com ele, a faculdade de cinema de Gabriela Brigagão, que nasce como diretora, em sua estreia. Os momentos de fechamento de ciclo são sempre assim, neles fica, ainda mais evidente, o caráter de indissociabilidade que comporta nascimentos e mortes, inícios e fins, partidas e chegadas, encontros e despedidas (lindamente colocado na música de Milton Nascimento e Fernando Brant). Portanto, acho que não à toa, “O Maior Espetáculo da Cidade” conta a história de algo que teve seu tempo de glória e que, agora, precisa reconhecer que é hora de mudar, de ceder lugar para o novo. O cenário é o de um teatro de revista em sua última noite de apresentações, antes de fechar as portas de uma vez por todas. Tudo passado nos idos da década de 50, com um colorido que nos remete ao encantamento das coisas guardadas na memória. Em meio à tristeza do que acaba e às inseguranças do por vir, uma vedete, que nasceu como atriz no teatro de revista, chega a pensar renunciar a oportunidade de tornar-se estrela de cinema para manter o teatro vivo. Mas, já não depende dela, a vida dos espetáculos daquele lugar. A cidade cresceu, se transformou, assim como, a dinâmica e as demandas de quem nela vive. Os Maiores espetáculos da cidade, já não serão mais de responsabilidade do teatro de revista e de suas atraentes vedetes, o dono do teatro parece certo disso, apesar da dor, que o fim comporta. Tudo o que se passou ali ficará, a partir de então, como registros de memória, registros que servirão, com certeza, como suporte de novas produções, de novos espetáculos que embalarão sonhos e encantarão multidões, na cidade.
Me lembrou o premiado “O Artista” (2011), de Michel Hazanavicius. Nesse caso, o recurso utilizado para nos fazer embarcar no encantamento do tempo da memória é justo a falta de falas e de cor. Num mundo do cinema mudo, em preto e branco, assistimos à dificuldade de um astro do cinema (interpretado por Jean Dujardin) se aventurar no universo da novidade que os filmes falados. Preso aos conceitos que até então vinham dando certo, se vê incapaz e atordoado frente às novas demandas. Já uma jovem atriz (Bérénice Bejo), a quem o astro ajudou no início de carreira e com quem vez par em seu glamouroso mundo do cinema mudo, encontra plasticidade necessária para se adequar ao novo e criar suas próprias formas de habitar e se expressar nele. E é na relação desses dois que se estabelece o tempo da delicadeza, no filme de Hazanavicius. Um tempo que – como nos ensina o, sempre preciso, Chico Buarque – refaz o que desfez, que recolhe todo o sentimento e bota no corpo uma outra vez”. Vale à pena conhecer a jornada do artista, ver como ele reconhece no corpo a outra vez. Vale à pena pensar em nossas próprias jornadas e não temer despedidas e chegadas, não temer a passagem do tempo, pois, como nos disse Antônio Cândido, o tempo é o tecido da vida.