Por Ana Lucia Gondim Bastos
“Por enquanto / há escória de sobra. / O tempo é escasso mãos à obra. / Primeiro / é preciso / transformar a vida, para cantá-la / em seguida. / Para o júbilo / o planeta / está imaturo. / É preciso/ arrancar alegria ao futuro. / Nesta vida / morrer não é difícil. / O difícil / é a vida e seu ofício”*, em 1926, escreveu Maiakovsky em homenagem ao amigo Serguei Issilenin, após seu suicídio.
Saio do espetáculo, Isadora (em cartaz no Auditório do MASP), com a sensação de que o novo trabalho de Elias Andreato em parceria com a atriz e dramaturga Melissa Vettore, é precisamente sobre a vida e seu oficio, sobre tramas e urdiduras que nos envolvem em narrativas a não serem abandonadas, em nome da beleza, do movimento, da arte e da humanidade. Precisamos estar atentos e fortes para não perder a delicadeza em meio a dor das desigualdades, da falta de liberdade e da rigidez responsável pela intolerância às diferenças e às expressões do outro enquanto outro e não enquanto espelho.
Isadora Duncan (1877-1927), que teve Serguei como companheiro, contou uma história de muita intimidade com tal dor, mas recebeu de berço o antídoto libertador: o contato com a arte, com a poesia e com a música que inspirou uma nova forma de dançar. Dançava com pés descalços, largas túnicas e movimentos que aprendera com o mar, com o vento e com os pássaros. Amava profundamente, não só sua arte que dizia ser resultado de tal sentimento, mas seus irmãos, seus filhos, seus amigos, alunos e à humanidade de um modo geral. E foi assim que resistiu às perdas precoces e trágicas que costuraram sua narrativa, sem que estancassem seu movimento.
Num espetáculo, desconcertantemente atual, Melissa Vetorre, Daniel Dantas, Roberto Alencar e Patrícia Gasppar, sob a batuta de Elias Andreato e ao som do piano ao vivo de Jonatan Harold, nos emocionam ao nos levar ao encontro daquela mulher que conseguiu apresentar o corpo como instrumento de liberdade e não como mercadoria a ser utilizada, aprisionada ou comercializada. Inspiração necessária para tempos difíceis. “É preciso arrancar alegria ao futuro”!
*tradução de Haroldo de Campos