Documentário: Olmo e a Gaivota

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Curiosa acerca da peça de Tchékhov ,“A Gaivota”(1896), encontrei um texto de Priscilla Herrerias(2010), então mestranda em Literatura e Cultura Russa da Universidade de São Paulo, que falava que a classificação de “A Gaivota”, pelo próprio autor, como comédia, se devia à intenção de – nas palavras de Herreiras – “reforçar o aspecto prosaico da obra, onde eram retratadas pessoas comuns, em situações cotidiana, vidas sem grandes acontecimentos. Para Donald Rayfield, importante estudioso da poética tchekhoviana, comédia significava para Tchékhov o oposto de tragédia, sugeria que a morte ou a suspensão da personagem central não impediria a vida de seguir seu curso normal”.*

O premiado documentário da diretora brasileira Petra Costa e da dinamarquesa Lea Glob, “O Olmo e a Gaivota”, começa com tal peça sendo encenada e retrata o cotidiano do casal de atores Olivia Corsini e Serge Nicolai, desde o momento em que recebem duas notícias com enorme potencial transformador em suas vidas: a da gravidez em curso e a de que o grupo de teatro, no qual interpretam personagens centrais da peça tchekhoviana, partirá em turnê internacional. Antes mesmo que Olívia possa fazer qualquer movimento de buscar formas para se manter atuando, uma ameaça de aborto a obriga a fazer repouso, durante toda a gestação. Como numa comédia de Tchékhov, Olívia passa seus dias sem grandes acontecimentos, imersa em seus pensamentos e emoções ambivalentes. Imaginava-se uma grávida ativa, trabalhando até o fim da gestação, não esperava ter que ficar quieta “fazendo orelhas e, talvez, até cílios”, em mais um dia de repouso, no apartamento vazio. No fim do dia, os (des)encontros com o companheiro, vêm à tona em diálogos reveladores de realidades muito diferentes a serem enfrentadas, num momento de vida comum. “Temos presentes diferentes”, ele diz, em certo momento. Ela discorda: “Nosso presente é o mesmo, só que só eu o carrego”. Num outro dia qualquer, estão juntos montando o berço ou aprendendo a amarrar o sling em seus corpos, rindo e se divertindo com as inabilidades de iniciantes. Noutro, ainda, ele viaja em turnê e ela fica, esperando um bocado mais.

Sem maniqueísmos ou idealizações – seja do amor materno, seja do estado de completude da gravidez ou da união sublime do casal em torno da espera de um filho – temos um retrato da vida sendo vivida, dentro e fora do ventre de Olívia, dentro e fora da cabeça de Olívia, dentro e fora da verdade e da ficção! Ora ficamos com o peso, a inação e a fortaleza do olmo, ora com a leveza, a liberdade e a fragilidade da gaivota. Ora são as raízes que sustentam árvores que alcançam 30 metros de altura, que se colocam em evidência, ora o céu e seus limites questionáveis, nos voos de gaivotas… vida sendo vivida, com sofrimento e alegria, com perdas e novidades, quase nunca do jeito imaginado, mas sempre possível de ter o desejo engendrado.

Termino o filme e mais uma frase do texto de Herreiras me ocorre: “A estrutura circular de A Gaivota nos deixa a impressão de que a vida continua seu curso, apesar de todas as barreiras; a passagem do Tempo, assim como nas demais peças do metatexto dramático tchekhoviano, torna-se protagonista da obra.”*

*http://www.pgletras.uerj.br/palimpsesto/num10/dossie/palimpsesto10_dossie06.pdf

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