Filme – Um Conto Chinês

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Roberto, personagem de Ricardo Darin em “Um Conto Chinês” (Borensztein, 2011), parece convencido de que “pra gente ter voz ativa e no nosso destino mandar”, só mesmo não desviando de uma limitada rotina e se envolvendo o menor número de pessoas possível. Mas, inevitável considerar que, um dia, “eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá”.

Roberto é um carrancudo dono de loja de ferragens que conta cada parafuso para evitar ser enganado e vive sozinho numa casa visivelmente mantida como na época em que seus pais eram vivos, do jeito que ela deve ter sido montada, há décadas. Como tudo o que não pode ser ressignificado e rearranjado para novos tempos, acumula-se em espaços da casa que vão, aos poucos, sendo inutilizados, a casa de Roberto, apesar de seu cotidiano regrado, é cheia de lugares de bagunça e falta de manutenção. Mas, para se arrumar algo é preciso suspender a rotina e esta era apenas suspensa, em fantasia, nos momentos reservados, por Roberto, para buscar e recortar, nos jornais do mundo, notícias inusitadas, acerca de ocorridos que fazem da vida real “mais estranha que a ficção”.

Num momento de distração, no entanto, Roberto se vê envolvido com um chinês (Ignacio Huang) que “cai do céu”, enquanto observava aviões. O chinês não fala uma palavra de espanhol e se encontra numa situação de total desproteção, num país estranho, numa língua estranha, sem dinheiro e sem direção. Roberto, apesar de se pretender uma pessoa sem maiores envolvimentos com problemas alheios, acaba não conseguindo deixar o chinês desabrigado. E, como sempre acontece quando uma porta se abre pro outro, outras tantas começam a se abrir, para tantos outros, também. Para outros de dentro e de fora, para histórias nossas, inclusive. E aí… é pagar pra ver, porque a gente acaba não tendo tempo para contar parafuso, para manter tudo numa ordem que possibilite agir mecanicamente ou de fazer tudo sempre igual. E é nessa confusão que a gente começa a conseguir olhar para a desordem camuflada pela rotina e a olhar para outras possibilidades de rotinas, talvez mais atualizadas em função de novas demandas, talvez até mais felizes. E é assim que vamos adquirindo cada vez mais plasticidade psíquica para lidar com o novo e para nos transformar a partir dos encontros inusitados que a vida sempre oferece. Sem dúvida, vale especial atenção as cenas em que Roberto se encanta apresentando aspectos da sua cultura para Jun, o chinês.  Se apresentando  pro outro, Roberto vai se conhecendo melhor e se apropriando de seu desejo. Um outro com poucas referencias do que estava sendo apresentado, um outro para quem ele também era uma surpresa estranha e nem sempre de fácil digestão.

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