O Melhor das Olímpiadas

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Durante toda a preparação, das pessoas do meu entorno, para assistir à abertura das Olimpíadas, para comprar passagens para nossa Cidade Maravilhosa – sede dos jogos, em 2016 – e para conseguir ingressos para os jogos, permaneci distante e incrédula de que aquilo tudo pudesse gerar algo de diferente, de reanimador de esperanças ou de qualquer forma transformadora de realidades. Continuaríamos, conforme a música de Caetano, permitindo que os homens exerçam seus podres poderes, enquanto avançamos sinais vermelhos e perdemos os verdes, sendo uns boçais e deixando que morrer de fome, de raiva e de sede permaneçam gestos naturais.

Mas, o tempo passou e veio a abertura do grande evento com Paulinho da Viola cantando o Hino Nacional, num espetáculo bonito, envolvente, criativo e contando com a boa música popular brasileira: Além do Paulinho, o próprio Caetano, Gil e Elza Soares, estiveram lá. Quando dei por mim, já estava gostando daquilo tudo! Não assisti ao espetáculo todo, mas no decorrer da semana vi tomadas de cenas, ouvi comentários e entrevistas. Fernando Meirelles, Daniela Thomas, Debora Colker, Andrucha Wadddington e tantos outros talentos envolvidos. É… não deu para manter o desânimo com as notícias do tão badalado evento. Ainda mais quando eu soube do espaço de participação garantido a modelos transexuais.

Mas, como não sou muito ligada aos esportes, achei que a animação ia acabar por aí. Ledo engano! Em função de ter assistido ao documentário da ESPN, dirigido por Gabriela Brigagão e Roberta Bonoldi, sobre a importante participação feminina no vôlei de praia em Atlanta, sede olímpica de 1996, me interessei pelo assunto. Aí veio a primeira, das muitas, cenas que, aos poucos, foram me enchendo de alegria e esperança: Jogadoras mulçumanas, representando o Egito, jogando com os trajes adequados à sua religião, batendo um bolão com as alemães de biquíni. Cada um na sua, pois as regras devem se limitar às do vôlei. No jeito de se vestir ou na religião de cada um, ninguém tem que se meter, muito menos julgar o certo ou errado, o adequado ou o inadequado. Lindo, aquilo tudo!

Foi aí que veio a Rafaela Silva e arrasou no tatame! Sim, a primeira brasileira medalhista, das Olimpíadas que sediamos, é uma esportista mulher, é negra e teve a infância e a juventude marcadas pela pobreza, no Brasil das grandes desigualdades sociais e de oportunidades. Rafaela que já sofreu todo tipo de preconceito, agora, é retrato do orgulho nacional, é história de luta e de vitória para ser contada para as próximas gerações. A foto dela ganhando o ouro é linda! Nosso orgulho é negro, é mulher e não cresceu nos grandes clubes da elite brasileira. Viva, Rafaela! Viva cada um de nós, representados por ela! De novo: Lindo, aquilo tudo!

Já estava satisfeita, indo mais fundo, na letra do Caetano e acreditando naqueles que “velam pela alegria do mundo”. Já acordava cantando Tins e Bens e tais, me lembrando da Rafaela e das mulçumanas garantindo seu espaço, nas areias de Copa. Mas, as cenas e notícias surpreendentes e, absolutamente encantadoras, não pararam por aí: Uma jogadora de rughby foi pedida em casamento, pela namorada, no meio do campo; uma nadadora síria, de 18 anos, que há pouco precisou utilizar seu talento para fazer a travessia entre Turquia e Grécia, a fim de salvar a própria vida e a de tantos outros refugiados, recebeu aplausos nas piscinas olímpicas, competindo nos 100 m de nado livre e nos 100m do nado borboleta; o Brasil virou, de vez, o país do futebol feminino e a camisa 10 é, reconhecidamente, da Marta! Como ainda não fizeram a camisa oficial da seleção feminina, para vender para seus fãs, um menininho escreveu com canetinha mesmo, o nome Marta, em sua camisa 10 e saiu passeando pelas arquibancadas, dando entrevistas sobre a importância das nossas meninas do futebol, para as mudanças sociais. Tudo isso acontecendo, agora, enquanto os homens exercem seus podres poderes, enquanto, por outro lado,  e para não acharmos que a luta acabou, a nadadora Joanna Maranhão recebeu insultos machistas e preconceituosos nas redes sociais, mas resistiu e enfrentou bravamente e não sem muitos likes e compartilhamentos de apoio! Também, ela é uma vencedora! Acho que esses, sim, são “os tons e os mil tons geniais que nos salvarão dessas trevas, e nada mais”! Sem dúvida, essa primeira parte das Olimpíadas já deu o que falar e o que comemorar! Que venham os atletas paraolímpicos para fazer dessa festa, motivo ainda maior de comemoração e quebra de preconceitos! Com certeza, quero cantar afinado com eles.

*Caetano Veloso – Podres Poderes (Álbum Velô, 1984)

https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44764/

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