Por Ana Lucia Gondim Bastos
Vivemos num mundo estranho. Mundo no qual, muitas vezes, pessoas, cujas vidas são dedicadas a lutar contra as desigualdades sociais e pela garantia dos diretos civis para todos, são tratadas como ameaças a ele. Ainda que tais lutas sejam pacíficas e até pautadas, mesmo, na não violência e no amor ao próximo. Exemplos não nos faltam de pessoas que, ao ousarem pensar num mundo mais paritário e solidário, foram consideradas de alta periculosidade, justificando, inclusive que fossem, mortas para que se calassem de uma vez por todas. Como suas vozes ecoam nos sonhos de muitos, antes de serem mortas, frequentemente, são crucificadas, para que o medo enfraqueça aqueles que poderiam manter as bandeiras da igualdade levantadas. E, quando tal trágico futuro se aproxima, o que se passa com tais corajosas pessoas? Insegurança, medo, dor, assim como um ser humano qualquer, diante da morte iminente? A esperança consegue se manter até o final, diante dos olhos cheios de ódio de seus assassinos?
Questões como essas são levantadas no texto da jovem americana Katori Hall, que traz uma ficção sobre o que poderia ter sido a última noite de vida do reverendo Martin Luther King (Nobel da Paz de 1964 pelo combate à desigualdade racial), ao chegar em seu quarto de hotel, após ter proferido seu último discurso (I’ve Been to the Mountaintop). Cheio de questões e preocupações, Martin Luther King teria sido atendido, no meio da noite, por uma irreverente e cativante camareira, Camae, inusitada interlocutora para suas últimas reflexões.
Com interpretações tocantes e cheias de verdade, Lazaro Ramos (que também assina a direção) e Tais Araujo, trazem para a realidade e para os palcos brasileiros, uma versão do premiado texto de Hall. Numa mistura de muitas emoções, o casal faz o público, ora rir e ora chorar, falando de militâncias, esperanças, fragilidades, delicadeza, amor, medos, futuro e finitude. Improvável não sair da peça pensando na responsabilidade, de cada um de nós, com o legado, desses combatentes, para a humanidade. Legado que nos aproxima de um mundo menos estranho e hostil.