Por Ana Lucia Gondim Bastos
Desde cedo, Camille se encantava com a possibilidade de dar forma e vida ao barro. Vivia com cabelos em desalinho, roupas e mãos sujas, comportamento inadequado para uma menina, no final do século XIX. O encantamento pela escultura, e a consequente postura diante da vida, de sua formação e dos costumes da época, afastaram Camille Claudel da mãe, que recriminava suas atitudes, e fizeram seu pai, orgulhoso, apostar no futuro da filha artista. Foi assim que Camille pôde sair do interior da França rumo a Paris, em 1881. Foi lá, aos 19 anos, que conheceu Auguste Rodin, com quem viveu uma longa história de intensidades emocionais ambivalentes e arrebatadoras.
A peça Camille e Rodin, dirigida por Elias Andreato, tem como foco a relação dos dois escultores, interpretados por Melissa Vettore e Leopoldo Pacheco, desde o início até o fim, quando a Porta do Inferno se abre para Camille. Para aquela que ousou buscar espaço numa seara, predominantemente, masculina. Aquela que ousou querer tirar emoção e movimento da pedra e do bronze. Aquela que ousou amar um homem comprometido com uma outra mulher, assim como com os ditames de sua época e do meio artístico e político, da Paris do início do século XX. Aquela para a qual foi apresentada a Porta do Inferno, primeiro como projeto grandioso de seu mestre e depois como metáfora para onde a levou seu amor. Aquela para qual, as mãos e pés das obras assinadas por Rodin, era pouco para expressar seu talento e suas emoções. Aquela que lutou por ter seu trabalho autoral garantido. Aquela que conheceu o isolamento e a loucura, por desejar mais do que lhe foi permitido, por ser mulher.
Os atores parecem bailar, enquanto dialogam e trazem pro palco do auditório do MASP, a dureza de esculpir na pedra um relacionamento no qual uma mulher reconhece sua força e talento, e não aceita se encaixar, passivamente, no apertado espaço que lhe é destinado. Sem dúvida, mais que um importante registro histórico, traz inspiração para seguirmos alargando espaços.