Por Ana Lucia Gondim Bastos
Não é pouco frequente, nas conversas de mães sobre seus filhos, o juízo acerca das diferenças marcantes entre se criar meninos e meninas. As características de personalidade atribuídas ao gênero falam sempre de meninas sendo dóceis, meigas e obedientes e meninos agitados, inquietos e impacientes. Mas, é claro, que quando uma menina é mais agitada, é dito em tom complacente que ela é um verdadeiro moleque. De todo jeito a questão é que não tem muito por onde fugir: ou se enquadra na regra ou se é a exceção que confirma a própria regra. Ainda estamos muito longe de poder enxergar o mundo com mais cores e tonalidades, do que o bipartido mundo do pink and blue.
No tocante às relações estabelecidas entre meninos e meninas, a coisa não é diferente. É usual o comentário das mães de meninas acerca das amigas cheias de “picuinhas” e invejinhas. Já os meninos querem ser os melhores nos esportes ou nos estudos, mas as meninas querem o que é da outra. Então, acredita-se ser muito difícil amizade entre mulheres. Os homens, ao contrário, são sempre bons camaradas, sempre dispostos a se divertirem junto com os amigos, enquanto as meninas ficam felizes com o insucesso das parceiras, pois isso valoriza seu próprio sucesso.
E, assim, crescemos achando que homens são mais verdadeiros e confiáveis e mulheres mais vaidosas e auto centradas. É assim que começamos a entrar na trama do último filme de Tate Taylor, baseado no livro de Paula Hawkins, A Garota no Trem (2016). As histórias de três mulheres são apresentadas, inicialmente, separadamente, como em três capítulos. Rachel (Emily Blunt) passa de trem todos os dias na frente das casas à beira dos trilhos, imaginando vidas que nunca viveu (nem viverá, por serem de outras pessoas), principalmente a vida de Megan (Rebecca Ferguson) e Anna (Haley Bennet). A primeira idealizada como protagonista de um grande romance e a segunda idealizada como a mulher casada que pôde gerar um lindo bebê, que, hoje, completa a felicidade de um casal. Quando Megan fala de Megan, diz de uma mulher que vive um conflito muito grande com a maternidade, trabalha como babá, mas tem muita resistência em se imaginas mãe e, por fim, quando Anna fala de Anna, diz de uma mulher realizada com a maternidade e o casamento, a não ser pela presença frequente e ameaçadora da ex mulher de seu atual marido. Quando as vidas dessas três personagens começam a se apresentar entrelaçadas, não só o clima de suspense é crescente, como todas essas construções sociais acerca das (im)possibilidades das relações entre mulheres vêm à tona. Bonito ver como isso vai se mostrando e se ocultando no decorrer da trama. Apesar de longe de finais muito felizes (pelo menos não para todos), dá uma ponta de esperança nas relações de amizade e parceria que a bebê de Anna poderá vir a construir no futuro, com outras meninas. Porque uma hora vamos perceber e admitir que naturalizamos o que em nada é natural. E vamos perceber e admitir o poder das nossas profecias realizadoras, que transforma meninas em princesas e meninos em super heróis. Quem sai ganhando com isso? Ninguém! Que, cada vez mais, as garotas nos trens (ou nas páginas do facebook) possam apreciar mais as paisagens e os bons textos do que imagens de vidas alheias, que supostamente poderiam ter tido se mais “vocação” (ou “competência”) para princesas tivessem.