Filme – Capitão Fantástico

Por Ana Lucia Gondim Bastos

E quem irá dizer que existe razão em habitarmos um mundo no qual crianças e adolescentes mais ricos vivem em redomas protegidas, muitas vezes encerrados em quartos escuros jogando vídeo games violentos? Outras vezes, vigiados por câmeras de segurança que controlam a hora que saem de uma para outra redoma, em carros com vidros escuros, andam munidos de Ipads para se entreterem, com desenhos bobos ou falas de yotubers, não ficando, assim, entediados tendo como única alternativa olhar para rua e para o mundo lá de fora. E quem irá dizer que existe razão? E, o que dizer do consumo de tantos descartáveis (sejam objetos, ideias ou relações), nesse mundo?

“E quem irá dizer que não existe razão para as coisas feitas pelo coração?”

Capitão Fantástico (Matt Ross, 2016) nos leva fácil para esse tipo de reflexão. Melhor ainda, sem maniqueísmos ou certezas absolutas. Conta a história de Ben (Viggo Mortensen, em excelente atuação) que, decide com a esposa, morar com os filhos fora da loucura da sociedade americana, levando a cabo um projeto pedagógico completamente alternativo. Os meninos e meninas têm praticamente um treinamento de guerrilha: sobrevivem bem na floresta, sabem caçar, conhecem as plantas e os animais, têm condicionamento físico de atletas, são capazes de leituras críticas de textos complexos, conhecem filósofos e pensadores que sustentam tais críticas e têm conhecimento aprofundado de música, executando instrumentos com maestria. Ben e Leslie resolveram sair da cena da tradicional família católica de classe média alta americana, por conta da depressão que acometeu Leslie logo após o nascimento do primeiro filho, Bo (George McKay). E quem irá dizer que tal cenário não é mesmo enlouquecedor contando com o autoritarismo velado (?) dos valores do liberalismo econômico?

Por outro lado, quando precisam sair da, também redoma, rotina da floresta para participar do ritual de despedida de Leslie, depois de sua morte em um hospital da cidade, este caráter de redoma se explicita e crianças e adolescentes começam a questionar o autoritarismo velado (?) de um proposta totalmente alternativa ao resto do mundo. Começam a questionar, assim, o quanto aquilo tudo, também, os desprotegia e os incapacitava para as relações sociais, espaço privilegiado, inclusive, para o compartilhamento de tudo aquilo que puderam aprender no cuidadoso e bem intencionado repasse de conhecimentos e valores, feito pelos pais. Um filme delicado que, se num primeiro momento, nos faz criticar o que vem de fora, logo nos faz olhar para dentro e parar para pensarmos sobre o que nos move, tanto nos projetos para gerações futuras, quanto nos caminhos escolhemos trilhar.

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