Por Ana Lucia Gondim Bastos
Quando nossa esperança equilibrista está sendo particularmente testada por sucessivos abalos na corda bamba que a sustenta. Quando nem todo mundo parece concordar que o passado é uma roupa que já não nos serve mais, é, sem dúvida, uma boa ideia trazer à tona o repertório e a energia de quem viveu intensamente tempos difíceis, também resistentes ao novo, e que, ainda assim, não deixou de acreditar na força transformadora da voz da juventude projetada, no mundo, com alegria e determinação.
Elis Regina, chegou para gravar seu primeiro disco, no Rio de Janeiro, pouco depois do golpe de 64, um momento – diz o produtor da gravadora que a convidara – não muito propício para novidades. Aí começa o recém lançado filme de Hugo Prata, Elis (2016), exatamente, no momento do primeiro “por ora, não” carioca, recebido pela cantora gaúcha que, em pouco tempo, seria reconhecida como a maior voz do Brasil, ícone da MPB. As buscas por boas parcerias e espaços de interlocução e criação, os altos e baixos de tais buscas e a paixão pela música são fios condutores do roteiro elaborado pelo próprio Hugo Prata e, também, por Vera Egito e Luiz Bolognesi. Andreia Horta, em atuação exemplar, dá vida àquela que, ainda hoje, nos inspira e nos ajuda a acreditar que “uma nova mudança, em breve, vai acontecer”, contanto que possamos rejuvenescer. Isso, ainda que tenha tido uma morte tão prematura e tão angustiada. Mas, foi ela quem nos ensinou (pela letra de Belchior) que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”.
A mim, resta constatar, ao final do filme, que, também “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos; ainda somos os mesmo e vivemos, como nossos pais”, por vezes, cantando aos nosso filhos, a mesma súplica de Elis (pela letra de Ivan Lins):
“Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim…
Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim…
Perdoem a falta de folhas,
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim…
E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim…
E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim…
Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim…
Digam o gosto pra mim…”
Obrigada, Elis! Vamos continuar acreditando na boa colheita e na força para o cultivo, das novas gerações. Seu repertório é extenso, não esqueceremos de uma só música e nem de sua gargalhada confiante.