Por Ana Lucia Gondim Bastos
As perdas e as (im)possibilidades de superação, são importantes fios condutores de nossas narrativas de vida. Enquanto a vida não acaba, também não acabam os inestimáveis desafios e as imprevisíveis formas que teremos, ou não, para lidar com eles. Manchester à Beira Mar (Kenneth Lonergan,2016) é um filme que fala sobre isso o tempo todo. Todos os personagens, na paisagem fria do inverno na região, estão com as fraturas, consequentes de suas maiores perdas, à mostra. O personagem central, Lee Chandler (Casey Affleck), demonstra certo embotamento afetivo, realizando sua tarefa de zelador sem muito envolvimento no trato com as pessoas. Contudo, é, da mesma forma, dado a rompantes de agressividade impulsiva. A trama se desenvolve na cidade vizinha de onde Lee mora sozinho num quarto acanhado, depois que recebe a notícia da morte do irmão. É a partir dessa perda, e da necessidade de cuidar das questões práticas que envolvem a morte de um familiar tão próximo, que passa a ser inevitável o reencontro com histórias de perdas passadas, memórias que, talvez, tivesse precisado manter congeladas, para continuar vivendo, ainda que como máquina. Histórias cujo degelo, talvez, o inundasse de forma a assolar toda forma de vida possível. Mas, enquanto o solo de Manchester estiver coberto pela neve, o corpo de seu irmão precisará esperar para ser enterrado, também congelado, assim como o solo e o coração de Lee. E, enquanto isso, a vida do sobrinho adolescente (Lucas Hedges), que acaba de perder o pai, segue seu fluxo e exige que Lee esteja presente, não como máquina, mas como tio atencioso (tarefa, especialmente, difícil para corações congelados).
As excelentes atuações dos atores e da direção de fotografia, fazem com que o filme não se arraste, apesar de pesado e triste, num ritmo que também conta de emoções e corpos congelados. Mas, concomitantemente, traz as elevadas temperaturas da juventude, e das relações afetivas, mudando, ainda que timidamente, o estado das coisas. É, mesmo, um filme sobre as temperaturas dos tais inestimáveis desafios da vida e sobre a capacidade de cada um de lidar com os extremos que, alguns roteiros, impõem às narrativas.