Filme – Toni Erdmann

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Quando gestamos a ideia de ter um filho, e depois o próprio filho, gestamos, também uma proposta pedagógica. Pensamos em como queremos apresentar o mundo e como gostaríamos que ele o experimentasse. Daí que quando ele chega, num primeiro momento, somos nós (família mais próxima) o mundo daquele serzinho que aguardamos, sonhando como seria. Aos poucos, esse mundo vai se ampliando e ele passa a ter, além da família estendida, colegas, professores, programas de TV preferidos (que trazem consigo seus patrocinadores), acesso à internet e um sem número de outras influências que vão ser importantes para seu contorno identitário. Aquilo que o fará poder dizer quem é, do que gosta e como gosta/pode/consegue ser no mundo. Evidentemente, nem mesmo a nossa proposta pedagógica (aquela que gestamos junto com o filho), é tão clara, consciente e transparente; nada em nós é assim, ainda que, às vezes, precisemos acreditar que seja. Bem, o fato é que, não raro, nossos filhos crescem e, em alguns aspectos, parecem estranhos a tudo aquilo que, um dia, sonhamos para ele. Esses são momento delicados, desencontros que, com sorte e sensibilidade, podem gerar belos reencontros e muitas transformações, na vida de todos os envolvidos. Me lembro, de imediato, de dois belos filmes que tratam desse tema: Invasões Bárbaras (Denys Arcand, 2002) e Peixe Grande E Suas Histórias Maravilhosas (Tim Burton, 2003). Em comum, além do tema, e do notável trabalhos dos diretores, roteiristas e atores, os dois filmes falam de reencontros nas despedidas, o que acrescenta um tom dramático às narrativas.

Toni Erdmann (Maren Ade, 2016), também fala da delicadeza desses desencontros e reencontros, mas não num cotidiano suspenso pela doença ou proximidade da morte. Ao contrário, tudo acontece no meio de todo malabarismo que qualquer vida cotidiana exige, o que dá um tom cômico ao desencontro e menos dramático ao reencontro. No já premiado filme austro-alemão (atual candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro), Ines (Sandra Hüller) é uma executiva que tem a vida voltada para o trabalho. Suas relações interpessoais, seus compromissos (inclusive os sociais), suas horas de lazer ou relaxamento, suas comemorações e preocupações, tudo gira em torno do que é importante para a empresa para a qual trabalha e para as metas que devem ser atingidas, nos projetos profissionais. Numa visita rapidinha aos parentes, antes de voltar à Romênia, para onde fora transferida, seu pai (Peter Simonischek) sente a dor do distanciamento da filha. Winfried, que é pianista e professor de crianças, não encontrando espaço para diálogo com a filha, resolve aparecer de surpresa na casa dela para conhecer sua vida e escolhas do mundo adulto. O jeito brincalhão e espontâneo do pai, muitas vezes, torna-o inadequado ao cotidiano da moça que está sempre resolvendo coisas muito sérias, a despeito de estar num spa, num bar, num shopping ou no escritório. Percebendo tal inadequação, Winfred, sai de cena e volta como um personagem, Toni Erdmann, que nada mais é do que uma caricatura dos ambientes nos quais a filha frequenta, ambientes cuja maior preocupação é estabelecer uma rede de contatos que possa oferecer vantagens profissionais. Talvez na esperança de, assim, conseguir melhores formas para se comunicar com quem, um dia, foi tão íntima e que continua sendo tão amada. Esse é outro* filme que a gente sai se perguntando : “E quem irá dizer que não existe razão para as coisas feitas pelo coração?”.

*referência ao texto publicado neste blog acerca do filme Capitão Fantástico
https://tecendoatrama.com/2017/01/20/filme-capitao-fantastico/

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