Filme – Flores Raras

Por Ana Lucia Gondim Bastos

A poeta norte-americana, Elisabeth Bishop (1911-1979), perdeu o pai quando tinha meses de vida e, quando tinha cinco anos, viu sua mãe pela última vez, na ocasião da sua internação, em um Hospital Psiquiátrico. Não teve, depois disso, experiência de pertencimento em casa nenhuma por onde passou, na infância. Pelo contrário, sofreu com a frieza de seus parentes mais próximos, quando não maus tratos. Cresceu sem lugar ou pessoas que a adotassem e lhe oferecessem contorno e continência. Aos 40 anos resolveu pegar um navio para conhecer o mundo, quem sabe descobrir um novo mundo. É exatamente aí – na saída de Bishop de Nova Iorque, rumo, inicialmente, ao porto de Santos – que começa o filme Flores Raras de Bruno Barreto (2013). O que seria apenas uma visita rápida à uma colega de faculdade, que morava com sua companheira, Lota Macedo Soares, acaba sendo a descoberta da possibilidade de um novo mundo e, dá inicio a uma estadia de 15 anos, no Brasil. A paisagista e arquiteta, que seria responsável pelo projeto do Aterro do Flamengo, Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, Lota (1910-1967), acabou se envolvendo com Bishop e as duas tiveram um forte, duradouro e amoroso relacionamento. Bishop, que dizia ter um compromisso com o pessimismo, pois esse, sim, nunca a decepcionaria, foi se deixando surpreender e se encantar com o jeito seguro, assertivo e confiante com que Lota levava a vida e fazia escolhas. Acordava e lá estava a companheira implodindo pedras para fazer-lhe um estúdio suspenso, todo de vidro e isolado da casa, para que não lhe faltasse inspiração ou condições de trabalho. Assim, Bishop foi, finalmente, se sentindo em casa, num país no qual chegou sem sequer falar a língua. Aqui era de fato estrangeira, não era só um sentimento de não pertencimento. E, como estrangeira encontrou um lugar possível para sua existência e para sua poesia. Ganhou prêmios e reconhecimento, nesse período. Também, começou a aprender a lidar com as perdas e a iminência delas:

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.”

Flores Raras é, então, uma narrativa de amor entre duas mulheres talentosíssimas que deixaram um legado importante, para história. Mulheres, cujos caminhos e percalços são deveras apagados da memória que constrói tal história. Coube a Bruno Barreto lançar luz no amor e nas obras dessas mulheres. Já no século XXI, o diretor ainda teve dificuldade de patrocínio em virtude da temática, mas conseguiu terminar seu filme com muita competência e delicadeza. Também o filme é uma flor rara, espero que não por muito tempo, pois, mais que raras, tais flores são abafadas e sem espaço para crescerem e se mostrarem belas.

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