Por Ana Lucia Gondim Bastos
“Porque foste a primavera em minha vida/ Volta para mim/ Desponta novamente em meu canto/ Eu te amo tanto… mais, te quero tanto mais/ Há quanto tempo faz, partiste”.
É com o Canto Triste do Edu Lobo que Matheus Nachtergaele começa a compartilhar conosco o processo de construção de sua memória inconsolável (definição utilizada por Petra Costa para contar de sua Elena, a irmã que, como a mãe de Matheus, partiu cedo demais da historia que contavam juntas). Matheus além de dar lugar para o inconsolável, na vida, fazer dele parte da história, também, precisou construir a memória. Afinal, tinha apenas três meses de idade quando sua mãe partiu. Dela, que morreu aos 22 anos, restaram uns poucos fragmentos de história (diante do suicídio, as palavras parecem sumir, fazendo com que os contornos dos personagens e suas narrativas, aos poucos, se esmaeçam). Mas, ficaram, também, alguns poemas e um filho que juntou os poemas, escolheu canções (talvez como fazem as mães, que escolhem as palavras cantadas para apresentarem o mundo aos seus bebês), e trouxe Maria Cecília Nachtergaele de volta à cena. Por isso, o conserto virou concerto e aí, a mágica se deu! A mágica de dar sentido, de encontrar lugar para o que transbordava sem poder existir, de contar uma história para compartilhar e encontrar alento no olho do outro que, independente da experiência que a vida lhe reservou, diz “sei exatamente do que você está falando”!
Para que a mágica aconteça, Matheus usou todos os seus recursos (que não são poucos!). Está com o corpo, alma e voz presentes, em toda intensidade. E não está só no palco, dois músicos o acompanham; um violão ali do lado no banquinho sempre à vista, bem na frente e um violino que, boa parte do espetáculo, fica no fundo do palco, atrás de um aparato translucido, se confundindo com o reflexo do ator que se movimenta em cena, muitas vezes, utilizando-o como espelho. Um violino que é carregado como um bebê e que no meio do “Processo de Conscerto”, vem pra frente da cena e ali permanece, junto ao violão, para que Matheus possa recorrer sempre que necessário. E assim termina a peça e continua a vida com música, poesia e sem sombra na imagem refletida do ator, personagem de sua própria história que, depois desse processo, segue sem dúvida de que pode protagoniza-la. Lindo, lindo, mesmo!
Créditos apresentados no programa da peça: Desejo: Maria Cecilia Nachtergaele/ Conscerto: Matheus Nachtergaele/ Concerto: Luã Belik e Henrique Rohrmann/ Conserto: Miriam Juvino