Por Ana Lucia Gondim Bastos
“Olhos nus: Olhos” é um conto de Mia Couto baseado em letra do Chico Buarque. Nele, Mia diz que o passado não existe – É metade composto de coisas que ainda não passaram e outra metade de coisas que nunca passarão. O conto de Mia Couto é todo costurado por imagens poéticas, assim como as letras do Chico. Talvez seja por isso que, ao pensar em apresentar minhas impressões acerca do novo longa de Selton Mello, “O Filme da minha vida” (2016), tenha me ocorrido o texto de Mia Couto. Talvez, também, pela presença constante do passado buscando, ou oferecendo, explicações do/no presente.
A vida da qual o filme trata, é a de Tony Terranova (Johnny Massaro). Filho dos dedicados Nicolas (Vicent Cassel) e Sofia (Ondina Clais), o menino cresce numa cidade do interior gaúcho, no final da década de 50. Ao voltar formado para sua pequena cidade, Tony tem que conviver com um mistério: seu pai, supostamente voltara para a França (seu país de origem) sem deixar rastros ou explicações. Então, é na companhia da mãe e com o apoio de um dos poucos amigos do pai, um rude criador de porcos (papel de Selton Mello), que Tony começa a traçar seus caminhos na vida adulta. A incoerência entre a memória do pai e o fato dele ter desaparecido sem maiores cuidados ou preocupação com os que ficaram, fez de Tony um rapaz angustiado e um tanto inseguro acerca de suas percepções ou capacidades. Por outro lado, o olhar de confiança do pai, que o ensinou a se equilibrar em duas rodas, e a língua francesa herdada, que ampliava suas leituras do mundo, assim como suas possibilidades de expressão, faziam de Nicolas uma presença constante, na vida e na memória do filho, que era fortalecido, pela mesma. Parafraseando nosso protagonista: O final, não posso contar, mas, posso garantir que, pelo meio do caminho, tem muita poesia, muita beleza de se ver e de se escutar (a fotografia do filme, é digna de nota. Assim como figurino e ambientações). É pelo meio do caminho, tropeçando em poesia, que Tony encontra o primeiro amor romântico, Luna (Bruna Linzmeyer), uma moça linda e sensível, que anda sempre acompanhada de uma máquina fotográfica, registrando momentos, gestos e expressões. Penso que seja assim que ela traduza a paralisia temporal que sentia, em alguns momentos. Dizia achar que o tempo não existia, seria uma invenção nossa, pois, por vezes, o sentia parar, deixando tudo em suspenso (como aconteceu quando a irmã mais velha ausentou-se por meses, também, sem deixar rastro ou explicação).
“O filme da minha vida”, fala, portanto, da importância das páginas em branco, que suportam o não saber acerca do que se tem pela frente, fala sobre confiança e amor, fala sobre construção identitária (assim como “Palhaço”, 2011, outra linda obra do diretor), fala sobre a delicadeza das relações humanas e sobre como o cinema pode te dar pistas de fios de meada perdidos. Fala, enfim, um pouco da vida de todos nós, por diferente que seja o enredo.