Dança – Tal mãe, tal filha

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Gestar um filho, é um sonha-lo e um sonhar-se mãe, sem fim. É fazer escolhas, por si e por ele, escolhas que, um dia, nortearão as escolhas dele, no sentido da autonomia. São esses sonhos e essas escolhas, pois, que vão abrindo espaço para que uma nova pessoa possa existir naquela família e naquele mundo, no qual foi gerada, e passa a ser gestada. O espetáculo de dança flamenca, “Tal mãe, tal filha”, tem como ponto de partida esse pulsar de uma vida dentro da outra e, ele próprio, foi gestado em família. O argumento e a direção cênica é de Dani Nefusi, e a direção artística ficou a cargo da irmã dela, Deborah Nefusi, que, também, divide o palco com a filha, Isadora Nefusi. Entre os músicos, o percussionista Luciano Kahatib (pai de Isadora), anuncia a pulsação de uma nova vida. E, então, ela ganha a luz do palco. A menina para quem foi escolhido o mesmo nome da bailarina que ousou inventar seus próprios passos de dança, no início do século passado, da pioneira da dança moderna, Isadora Duncan (1877-1927). Sim, o nome é uma daquelas escolhas que falam do mundo que nos espera e do que ele espera de nós. Expectativas que começam a oferecer margem ao nosso desenvolvimento, antes mesmo de nascermos. Margeamento, absolutamente, necessário, pois sem ele e sem a confiança, que vem junto, de alguém que nos enxerga como fluxo forte e potente para atravessar (ou contornar obstáculos) e estabelecer caminhos próprios de chegada ao mar, o ser humano fica fadado à repetição de sentidos. Diga-se de passagem que é o que, também, pode acontecer se a margem é feita de cimento e, o sonhar a criança, vira estabelecimento de roteiro para que ela siga fiel e obstinadamente. Bem, mas, esse não foi o caso de Isadora, ela veio para criar os próprios passos e protagonizar sua história. Talvez, por isso a tia, no argumento do espetáculo, fala da maternidade  com toda sua carga de potencial criativo. D W Winnicott (1896-1971), psicanalista que muito teorizou acerca da criatividade humana, e a tem como termômetro da saúde mental e do desenvolvimento saudável, fala do viver criativo como um experienciar o mundo de forma original, única e irrepetível. Sentir-se responsável pela criação do mundo, ao mesmo tempo que o receber de presente. E assim, segue o espetáculo flamenco, contando a história da menina que aos poucos vai se apropriando de um repertório que a encanta e a instrumentaliza para compreender e se expressar, nesse mundo que, agora, é dela, também.

Do espelho do olhar da mãe, passo a passo, busca seus próprios caminhos, destacando-se, desafiando o velho, enfrentando e inventando o novo, cheia da bagagem que trouxe de casa (o que, por vezes, pesa e, por vezes, impulsiona). Em determinado momento, sente-se pronta para escolher como se apresentar e desfaz o penteado bem trançado e controlado, no modelo do  da mãe e, é assim que busca a luz do palco para dar seu recado, para fazer do seu jeito. Até que se volta ao olhar da mãe, que esteve sempre ali por perto, confiante no voo. E voltam a dividir o palco. Agora, é hora da mãe  soltar os cabelos, no modelo do da filha. A echarpe com a qual a mãe recebe a filha e com ela divide, nos primeiros momentos de vida e de espetáculo, dá lugar a um mantón enorme, com o qual dançam e se envolvem, com toda cumplicidade que conquistaram no processo. O reconhecimento das trocas significativas e mútuas, faz com que o gesto espontâneo de cada uma se preserve e perpetue. São diferentes, são mãe e filha: tal mãe, tal filha. Bravo!

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foto Marco Cayres

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