Filme – A Garota do Armário

Antes de sairmos do armário, assumindo um posicionamento social, acerca de quem queremos/conseguimos ser, pensar ou agir, no mundo adulto, precisamos entrar em vários armários e escarafunchar seus espaços, possibilidades e propriedades. Precisamos de tempo e experiência, fora das bolhas de proteção da infância, para conhecer, de outros ângulos, o mundo e seu funcionamento. E, então, começamos a nos perceber, de forma mais ou menos angustiada, agentes de transformação e/ou reprodução, desse/nesse mundo. É um momento de grandes intensidades e descobertas, no qual, a relativa passividade e dependência da criança em relação aos seus adultos cuidadores, começa a dar lugar a atitudes e pensamentos construídos de forma mais autonoma, pelo adolescente. Tudo isso, claro, implica numa profusão de sentimentos e sensações, conflitos e decepções, convicções e incertezas, enfim, dores e delícias de todas as ordens. Tudo junto em bem misturado, a todo momento.

A Garota do Armário (Fitoussi, 2017) fala bem desse momento de inicio de adolescência, de forma delicada, apesar de contundente. Anouk (Jeanne Jestin), tem 14 anos e mora com a mãe (Emilie Dequenne) que, até então, procurou proporcionar à filha, na medida do possível, um ambiente protegido das dificuldades do mundo dos adultos – seja afastando-a das brigas com ex-marido ou de suas críticas a ele; seja não contando das dificuldades vividas em seu trabalho ou das frustrações de sua narrativa de vida e decepções cotidianas. Numas férias escolares, nas quais teria a tarefa de fazer um estágio de observação em um ambiente profissional, Anouk acaba tendo como única alternativa a corretora de seguros, da qual sua mãe é uma executiva. Inicialmente, incrédula quanto ao interesse que poderia vir a ter acerca do universo que estaria entrando, Anouk se surpreende entendendo entrelinhas, percebendo interesses escusos nas ações e decisões dos adultos, incomodando-se com desigualdades sociais e indiferenças manifestas. Para estabelecer estratégias de como lidar com seus incômodos (interna e externamente) faz-se necessário aprofundar-se nos assuntos em questão, sabendo mais sobre o que e como acontece por trás das pastas arquivadas nos armários. E, é isso que começa a fazer com empenho, interesse e, claro, uma certa dose de onipotência. Mas, quando os obstáculos começam a se evidenciar, Anouk é obrigada a dar, a eles, o mesmo empenhado tratamento de busca de seus porquês e, aí, tem início uma sucessão de decepções e sentimentos de impotência e solidão. Contudo, Anouk talvez nunca tenha sido tão Anouk, na vida, quanto naquelas férias. Talvez nem soubesse quem era Anouk tão bem, ou talvez até tenha perdido as esperanças de um dia conhecer de forma tão definitiva. Mas, isso, por outro lado, abre espaço para que comece a trilhar um caminho guiado por uma bússola encontrada nas entradas e saídas daqueles armários todos. Abre espaço para o resto de sua vida.

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