Por Ana Lucia Gondim Bastos
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Chico Buarque
Em “Essa História está Diferente”, publicado em 2010 pela Cia das Letras, Ronaldo Bressane organiza contos, de dez diferentes autores, inspirados em canções do vasto repertório de Chico Buarque. A cada autor coube engendrar uma narrativa original, a partir da canção escolhida. Uma obra muito interessante de se mergulhar e conhecer os personagens, tramas, sentimentos e sensações que podem nascer, a partir da chegada de uma música do Chico, no universo de um outro autor.
Roda Gigante (2017), novo filme de Woody Allen, me pareceu um décimo primeiro conto de “Essa História está Diferente”, como se baseado em Roda Viva (1968). Ginny, personagem de Kate Winsley (em atuação digna de nota), questiona-se a todo momento acerca do peso de sua responsabilidade pelos infortúnios em seu caminho e do peso dos acasos do destino. Morando em cima da barraca de tiros de um parque de diversões, diz que tem barulhos com os quais não acostumamos, apesar da convivência diária. Sua janela dá para a Roda Gigante de Coney Island, onde o marido (Jim Belushi) trabalha como operador do carrossel e ela como garçonete de um restaurante de frutos do mar. Outrora fora atriz e casada com um baterista, com quem teve um filho, e ,atualmente, vive às voltas com as confusões, nas quais o menino se mete, por, literalmente, colocar fogo em tudo, elaborando perigosas fogueiras.
O filme se desenvolve durante um verão, no qual Ginny volta a ter esperança de ter voz ativa e no destino mandar, verão no qual se envolve com um Salva Vidas galã (Justin Timberlake) e com ele vive um tórrido romance. Verão, no qual, após anos de afastamento da família, em função do casamento com um gangster, volta para casa, a jovem enteada, ameaçada de morte, decidida a mudar de vida. Nesse clima de bastidores de cidade de veraneio em temporada, escolhas de vida são questionadas, amores são rememorados (outros vividos), histórias são escritas (outras apagadas), numa atmosfera de grandes intensidades sentimentais, refletidas nas cores das cenas: ora avermelhadas, ora amareladas, ora azuladas e ora sem filtro tonalizante. As cores, nesse filme, funcionam como a trilha sonora, criando atmosfera ora de romance, ora de tragédia, ora de drama e ora de uma frieza da vida nua e crua, sem filtro ou poesia. Penso que para o desfecho poderia se optar por qualquer uma dessas nuances da vasta paleta de cores pelas quais passam as cenas, do filme, da vida e das canções de Chico. Vale à pena assistir para conferir a escolhida por Woody Allen, desta vez.