Filme – Em Pedaços

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Em tempos de tanta intolerância e de tanta  gente batendo no peito, se dizendo “cidadão de bem”, a propagar guerra em nome da lisura, da ética, da moral e bons costumes, Em Pedaços (2017) se faz um filme imprescindível. Nele, o cineasta alemão, de ascendência turca, Fatih Akin, desarma algumas bombas atitudinais que vêm impulsionando manifestações neo nazistas – não só no seu país –  ao ir descortinando, no decorrer da trama, a complexidade das situações, das histórias dos personagens e de seus perfis psicológicos. O filme começa com o casamento, aparentemente muito feliz, do turco Nuri e da alemã Katja. Ele saindo da prisão de terno branco, se despedindo, alegremente, dos outros detentos e ela o esperando, animada, em um vestido de noiva decotado, que deixa à mostra suas múltiplas tatuagens . Tudo leva a crer que o casal, ali,  diante do juiz de paz, às portas da prisão, começava uma nova vida. Anos se passaram e o casal continuava unido, cuidando do cotidiano de uma pequena empresa familiar e do filho Rocco, então com 8 anos. Uma família comum, comparável a qualquer família “de bem”, com pessoas que se divertem juntas e cuidam umas das outras. Pensando assim, uma família bem funcional, talvez até mais funcional do que muitas famílias dos que se intitulam “cidadãos de bem”, portentos de toda integridade moral, como citado acima. Acho importante ressaltar tal evidencia, porque é assim que Akin, vai mostrando que as pessoas não podem ser consideradas em pedaços. O passado ligado às drogas ilícitas não precisa ser apagado ou desconsiderado, aliás, Nuri teria passado anos na cadeia pagando por seus atos ilícitos, mas, esses não definem  a totalidade de quem é Nuri. Assim como qualquer outra passagem de sua vida ou característica orgânica, étnica ou psicológica. Contudo, o fato é que depois que uma bomba caseira foi colocada, propositalmente, às portas de sua empresa,  levando-a aos ares, e deixando em pedaços corpos, construções, sonhos e a família de Nuri e Rocco, assassinados nessas circunstâncias, a suspeita de responsabilidade, inicialmente, recaiu sobre as vítimas, baseada numa enxurrada de preconceitos e estereótipos : ataque terrorista de motivação religiosa? Já que Nuri é turco e, portanto, talvez, muçulmano? Ou porque sua empresa estivesse situada num bairro turco, portanto, com muitos muçulmanos como vizinhos?  Dívida de tráfico? Já que, há quase uma década, fora preso por esse envolvimento? Ou porque a esposa supostamente, poderia continuar sendo usuária, como fora na época de faculdade, quando conheceu Nuri? Essas suposições vão sendo aventadas numa primeira parte do filme, intitulada Família. O filme, dividido em três partes, como três grandes capítulos, segue com o julgamento, quando, então, todas as suposições levantadas como responsáveis pelo crime, dão lugar à evidência de que fora cometido por um jovem casal neo nazista. E assim o filme segue, mostrando o quanto somos levados a enganos através das certezas que abraçamos (inclusive sobre os jovens nazistas, que nem sempre são frutos de famílias coniventes). A terceira parte do filme, intitula-se Mar. Fala de mergulhos profundos na imensidão dos sentimentos (de potência e de impotência) diante da vida, da sociedade e dos rumos da História, assim como, das (im) possibilidades de ação e do mar que nos apresenta um horizonte.

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