Por Ana Lucia Gondim Bastos
“helios noes eph’hémeréi estin (o sol é novo cada dia)” Heráclito
Cada vida humana é uma história de perdas e, também, das buscas por caminhos para para se continuar com solo irrigado e fértil, de onde vida, continue brotando. É uma viagem que precisamos enfrentar e, na qual, com a precisão, não podemos contar (como adverte Fernando Pessoa*). “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, 2009) são 71 minutos de um filme de estrada que se traduz numa experiência de atividade prático-poética, de um desses momentos de perda e de buscas, dolorosamente, solitárias. O termo prático-poiético é utilizado por Castoriadis** para se referir ao fazer poético na medida em que se refere à uma atividade criadora, que tem como fim a auto-transformação e como único meio o exercício da autonomia. O termo foi o que melhor se encaixou na minha tentativa de descrever a construção e cadência do filme, tive que recorrer à filosofia, banhada na poesia. Uma construção, depois vim saber, acontecida a partir das sobras de imagens capturadas, pelos diretores, para um projeto anterior, portanto, resgates de memória. Imagens que foram sendo costuradas a partir das falas de um protagonista que nunca aparece, mas nos empresta seus olhos e vai nos contando dos sentidos atribuídos pelo que vai passando, vendo e ouvindo no trajeto da viagem, enquanto tenta elaborar o luto de um amor perdido, ao mesmo tempo que vai fazendo seu trabalho de geólogo em pesquisa de campo, estudando possíveis caminhos por onde deverá passar um novo canal, que desviará parte das aguas de um rio. Medindo brechas e fendas entre as rochas, percebe a aridez, a dureza e a monotonia das paisagens, inicialmente, sonhando em voltar para o amor que (o) deixou. Conhece gente, ouve música e relatos de beira de estrada. Lembra da flor, do sorriso e da flor com saudade e muita dor, mas segue o caminho, observando gotas de orvalho falsas em flores de pano, a solidão, por vezes, o desamparo, e o trabalho duro, de pessoas que vivem na escassez da agua e da esperança. Mas, o caminho, uma hora José Renato (Irandhir Santos) percebe, é sem volta. Heráclito de Éfeso já advertia que voltar é uma ilusão, tanto quanto toda nossa percepção do que é fixo. E disso, os geólogos sabem bem.