Filme – Sob a Pele do Lobo

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Um filme quase sem diálogos, sobre um comerciante de peles de lobos que vive isolado, num topo de montanha, longe do vilarejo da região, para onde só se desloca poucas vezes ao ano, para fazer negócios que garantam o mínimo para sobreviver. O personagem  de tão poucas falas e relações interpessoais, que nem chegamos saber o nome (Mario Casas, em atuação digna de nota) ,  é o protagonista do novo filme espanhol, original da Netflix, “Sob a Pele do Lobo” (Samu Fuentes, 2018). A passagem do tempo dada pelas marcadas alterações climáticas européias, oferece, ao filme, bela fotografia e  mostra uma rotina sem grandes emoções ou acontecimentos, desse homem que vive tal qual um lobo apartado da alcateia. Numa das visitas ao vilarejo recebe o conselho de substituir a companhia do cachorro, que há pouco morrera, por uma mulher que pudesse o ajudar no trabalho e, quem sabe, dar-lhe um filho. Faz como com todo o resto, e compra uma mulher para viver com ele. A partir daí, os desafios da convivência humana passam a se colocar, desafios que, para um homem que vive “sob a pele de um lobo”, podem representar dificuldade maior que qualquer enfrentamento das adversidades impostas pela natureza, nas condições de vida quase selvagem. Um filme que deve se passar no início do século XIX, em algum lugar da Espanha. Um filme repleto de imprecisões de contextualização ou aprofundamento na complexidade das subjetividades do personagens. Pouco se sabe da história de cada um, só se sabe dos seus afazeres rotineiros e das emoções, em função de sutilezas de olhares ou mudança na respiração. Um filme, portanto, que nos deixa nesse limiar entre o lobo e o homem, entre a natureza e a civilização, entre o isolamento e a necessidade/capacidade de relação interpessoal, entre grunhidos e palavras. Mas, também, nos coloca o limiar entre a submissão e a possibilidade de resistência, entre o controle por parte de quem tem o poder e a resignação necessária, quando se perde esse lugar de poder. Um homem que vive longe dos homens e perto dos lobos de quem arranca-lhes a pele, para viver da venda a outros homens. Um homem que quando resolve viver perto de outro ser humano, compra-lhe “a pele”, de outro homem proprietário. Um filme, portanto, que nos remete, diretamente, ao texto de Thomas Hobbes, Leviatã (1651), claro que muito por conta da formação de sua mais conhecida passagem, “o homem é o lobo do homem”, mas, também, por toda a discussão, que ela traduz, acerca das ideias Hobbesianas da vida no Estado de Natureza, vida solitária, pobre, bruta e cruel, que leva ao medo do fim da existência e a busca pelo poder e domínio sobre o outro. Assim, à maneira de Hobbes, de alguma forma, Fuentes nos desperta a pensar sobre a sociedade (e suas relações de poder) , a partir de um indivíduo isolado e preocupado com a sua sobrevivência.

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