Por Ana Lucia Gondim Bastos
Como é próprio de filmes históricos, o final deste, não poderia, mesmo, ser considerado exatamente um spoiler. Até o mais desavisado dos espectadores sabe, pelo menos, o que aconteceu com um dos três protagonistas, Pepe Mujica, aquele que se tornou presidente do Uruguai, em 2010. Também, dá para supor o meio, pelo menos para os nem tão pouco desavisados, sabendo se tratar da vida em cárcere de três presos políticos durante o regime militar. Mas, ainda assim, “Uma Noite de 12 Anos” (Brechner, 2018) comove, surpreende, encanta, indigna e apavora. Quisera eu ter assistido a esse filme há tempos atrás, quando eu choraria, apenas, pelas gerações passadas e não temeria pelas futuras! Mas como bem diz Guimarães:
“O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”
E é sobre coragem que trata o filme. Sobre coragem e sobre o que esperar da humanidade, no que ela tem de melhor e pior. Sobre a saga de três prisioneiros políticos que foram considerados, pelo próprio governo, reféns do sistema e que, assim, ficaram sem pena ou julgamento, em confinamento extremo, sem direito a nada e em condições subumanas. Sem saberem o que acontecia do lado de fora, quando e se seriam soltos, e, encarcerados em solitárias, sem, inclusive, o mínimo contato uns com os outros, por vezes eram surpreendidos com a possibilidade de uma visita ou de um tratamento que reconhecesse sua humanidade. Mas, sempre em passagens fugazes e arbitrárias. Nessas condições, ainda era possível brotar afeto, esperança e cuidado com o semelhante (daí, até, o caráter surpreendente no roteiro). Os prisioneiros conversam por batidas na parede, eventualmente, ganham voz com um soldado etc. Gente querendo/tentando ser gente, mesmo quando não tratada como tal. Por outro lado, também, fica explicitado a dificuldade empática quando começamos a achar que temos categorias mais humanas que as outras, assim como, às consequências da obediência cega pelo medo e da banalidade do mal. Como disse, em jogo, temos o que de de pior e o que de melhor, a humanidade pode oferecer. Apesar do inevitável sofrimento trazido pelo filme, corrijo minha fala inicial, ao dizer que preferia ter assistido há anos atrás, quando trataria a situação como algo de um tempo que não volta. Precisamos, sim, assistir, com coragem, agora, até para pensarmos como nos posicionar do lado da liberdade, pois, como bem colocou, recentemente, Ai Weiwei, “a liberdade não é uma condição absoluta, mas um resultado da resistência”*, e isso nunca esteve tão claro. Avante!
*frase retirada da primeira exposição, no Brasil, do artista plástico chinês Ai Weiwei. Em cartaz entre os dias 20 de outubro de 2018 e 20 de janeiro de 2019, na Oca no Parque do Ibiraquera. Vale à pena conferir!
Lindo ouvir da mãe de Mujica a frase que ele nos confortou neste tempos sombrios que estão por vir: “A única luta que se perde é a que se abandona.”
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