Filme – O Confeiteiro

Por Ana Lucia Gondim Bastos

A vida do alemão Thomas (Tim Kalkhof), a certa altura, poderia ser resumida à sua profissão. Confeiteiro talentoso, sem família ou amigos, vive conformado com rotina dividida entre abrir sua pequena e aconchegante confeitaria, em Berlim, colocar a mão na massa e atender sua restrita clientela. O prazer na execução de suas receitas e na satisfação de servir seus doces é notado na sutileza de gestos e olhares, desse alemão contido e de poucas palavras. Até que um cliente israelense, Oren (Roy Miller), que tem como parada obrigatória a confeitaria de Tom, nas viagens periódicas a Berlim, torna-se seu amante e passa a dividir, com ele, as histórias e sensações de uma vida que conta  com esposa, filho, mãe, irmão, tradições religiosas, além do trabalho e, agora, de um amante alemão, nas viagens à trabalho.  No dia que Oren some da vida de Tom, este último decide atravessar fronteiras e ir para o território onde todas essas histórias aconteciam. A dor da perda do amante, deixa um buraco em seu cotidiano que move o calado Tom a deixar sua confeitaria (único vínculo estabelecido com a vida em Berlim) e a buscar a vida cheia de vínculos de Oren, sem que ninguém desconfie, num primeiro momento,  do envolvimento afetivo sexual dos dois. Nesse delicado roteiro de Odir Raul Gaizier (candidato israelense para competir pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, este ano),  Tom protagoniza sempre na fronteira do que pode ou nunca poderá a vir participar, no tocante aos aspectos mais abstratos e subjetivos da vida afetiva aos mais concretos e compartilhados culturalmente (como a culinária Kosher). E assim, sem muitas palavras e muita mão na massa, os processos, através dos quais os encontros se dão, vão sendo trabalhados, suas sutilezas e consistências, as construção de sentidos mais profundos e os superficiais, os aspectos que se controlam e os que acontecem sem que seja possível prever, os erros e os acertos, as aproximação e os distanciamentos, num movimento que talvez só encontre tradução numa música de Chico:

O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho…
O que será, que será?
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos…
Será, que será?
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido…
O que será, que será?
Que todos os avisos não vão evitar
Por que todos os risos vão desafiar
Por que todos os sinos irão repicar
Por que todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo…
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