Filme: Tudo em Todo Lugar Ao mesmo Tempo

Por Ana Lucia Gondim Bastos

Um filme de dois roteiristas e diretores bem jovens, que começaram a carreira com vídeo clipes e são conhecidos como os Daniels (Daniel Kwan e Daniel Sheinert), um filme indicado, a mim, por jovens, que me falavam de um roteiro atual, dinâmico que suspostamente tratava de “efeitos borboletas” numa dimensão multiversos. Tratava, também, de temas como relação mãe e filha e imigração chinesa nos EUA. Além de, nesse contexto, abordar a condição feminina e suas (im) possibilidades de escolhas… enfim, o roteiro traria Tudo em Todo Lugar e ao mesmo Tempo, bem como já promete o título do longa dos Daniels, de 2022. Topei ir assistir!

Surpreendeu-me que nas sobreposições de situações, muitas vezes bizarras e em ritmo alucinado e visualmente sempre muito impactantes, tive a melhor aproximação do conceito de Inconsciente freudiano, que um filme pôde me proporcionar. Absolutamente não fui capturada pelo buraco negro em forma de Donuts para as quais as protagonistas, a todo momento, poderiam ser tragadas. Pelo contrário, aquele “fim de tudo” foi o que me deu a dica de onde estaríamos. Na trama, a imigrante chinesa, Evelyn Wang (Michelle Yeoh) imersa em demandas burocráticas, familiares e superegoicas, parece sem energia para dar conta de seu cotidiano, e, se irrita com cada manifestação do marido (sócio dela numa lavanderia), da filha que traz a namorada para cena, do pai autoritário que chega numa situação de dependência ou da auditora fiscal americana que ameaça a sustentabilidade de seu negócio. A perspectiva de viver em multiversos a leva a cadeias associativas, sem tempo ou espaço. A falta de compromisso, não só com o tempo ou com espaço, mas com qualquer princípio de razoabilidade, faz com que, rapidamente, percebamos que a questão não está posta em diferentes camadas de realidades forjadas por escolhas humanas. Mas, sim, em camadas de realidade psíquica forjadas pelo desejo ou pela fantasia, do sujeito. Para dar conta de seu presente, Evelyn entra em contato com seus sonhos deixados para atrás quando partiu da China para casar com o marido que seu pai achava fraco, com o marido idealizado (personagem de Jonathan Ke Quan, ator, mestre de artes marciais e dublê vietnamita-americano) e, principalmente com toda a ambivalência de sentimentos em relação à única filha, Joy (Stephanie Hsu), que, agora, jovem, apresenta-se à mãe, de forma mais individuada. Com a chegada do pai idoso, para ser cuidado em terras estadunidenses, Evelyn sente, mais do que nunca, a necessidade de ter tudo sob controle para apresentar, quem sabe, prestar contas. No entanto, justamente nesse momento, tudo parece, ainda mais, fora do controle! Então, é quando parte para a tal aventura multiverso (que, a mim, pareceu mais uma Alice no buraco do coelho em versão contemporânea e chinesa), de onde sai transformada, podendo ter um encontro profundo com a filha, com o marido, com o pai e com todos os que a cercam. Em última análise, um encontro com o outro, do jeito que o outro pode ser e do jeito que ela pode se apresentar a esse outro. Talvez vivendo ,finalmente, como em música do Chico, “no tempo da delicadeza”. Significantes passam, de um universo para outro, atribuídos de significados que suavizam as relações, ou asseveram grosserias. Sua história de menos valia e suas escolhas menosprezadas, de repente se encontram com sua dificuldade de validar as escolhas da filha, de reconhecer gentilezas de um marido tido como um bobo sem atitude e com a rudeza de uma americana burocrata, nada empática com imigrantes chineses. Mas, quando tudo pode estar em todo momento e em todo lugar, talvez se abram portais de criatividade para novos mundos ou, quem sabe, novos futuros provenientes de novas formas de estar no mundo! Apesar da estética e ritmo do filme não terem sido, exatamente, agradáveis, para mim, não posso deixar de indica-lo. Pois, e quem irá dizer que existe razão para as coisas feitas pelo coração e quem irá dizer que existe razão?

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